segunda-feira, 4 de julho de 2016

“The Coulour in Anything”
de James Blake

Num labirinto chamado solidão


Aos primeiros acordes fantasmagóricos de “Radio Silence”, faixa que abre “The Coulour in Anything”, entramos numa espécie de letargia e cresce um sentimento que remete para um espaço íntimo, escuro e tranquilo, no qual queremos ficar.

Construída num edifício frágil cujos alicerces estão fixos através de várias camadas de uma confortável sensação de solidão, a música de James Blake, tal como a sua voz, é algo que se entranha, é uma sensação que mistura momentos de hesitação, alguma (contida) agitação e um sufoco musical que torna a audição num ato de redenção.

É esse o ponto de partida (e chegada) da música de James Blake, uma expressão impressionista onde a voz emerge de um som profundo construído com laivos ambientais, lo-fi e R&B, em modo semiautomático e pejado de efeitos emocionais em busca de uma aceitação, um conforto.

Não será portanto inocente a seguinte afirmação feita na já referida composição que abre este que é o terceiro longa duração do músico britânico: «I can’t believe that you don’t want us», enquanto, como elementos contextualizantes, somos invadidos por efeitos buzz, alguma estática e uma batida dolente, sublinhada por dolorosa e apologética poesia, que irradia uma atmosfera quase violenta, no limiar da saturação.

Este processo de contínuo desafio de aceitação iniciou-se em 2011 com “James Blake”, a estreia homónima do autor de canções como “Retrograde” ou “Limit to Your Love”, e principalmente “Overgrown”, disco editado há três anos e cuja digressão teve honras de sessão na edição do NOS Alive de 2015.

Para os fãs de sempre de Blake, as características acima descritas encaixam na perfeição naquilo que conhecem da arte do compositor londrino e revelam, mais uma vez, uma habilidade para “esconder” uma qualquer timidez em assumir um território confortável para muitos e que tem como fonte de inspiração a desolação, tal como acontece no universo de nomes como The XX ou FKA Twigs, esta última já “vítima” da mestria de James Blake na produção.

Tanto em causa própria como ao serviço de terceiros, Blake estende as redes da sua inspiração num particular vazio, preenchendo os espaços em branco, entendam-se silêncios, com batidas suspirantes e suspiradas e palavras entre o cantado e o sussurro que revelam a alma de um crooner desolado.

“Love Me in Whatever Way”, é um claro exemplo disso, onde o som navega à tona de um mar tranquilo pautado por ondas surreais, a meio caminho entre o sonho e o pesadelo, e que resulta numa grande canção. Mais orgânica, "f.o.r.e.v.e.r." é uma balada ao piano, onde o falsete da voz de Blake derrete o coração mais empedernido e eleva a sua flexibilidade de estilo.

Na sua essência, “The Colour in Anything” tem um perfil mais limitado que os discos anteriores, sem que isso retire qualquer sentido de brilhantismo e isso talvez esteja associado ao facto de a lista de colaboradores incluir nomes como Rick Rubin, responsável por uma estrutura mais pop, pontualmente mais agressiva comparativamente com o que aconteceu em “Overgrown” cuja participação de Brain Eno moldou palcos mais contemplativos. E já que falamos de alguns dos colabores que ajudam Blake nas suas desventuras sonoras, “The Colour in Anything” conta com a ilustre participação de Frank Ocean em “My Willing Heart” e “Always” ou Justin Vernon, o mentor dos Bon Iver, em "I Need A Forest Fire" e "Meet You in the Maze", derradeiro suspiro do álbum, curiosamente ou talvez não dois dos momentos mais cristalinos de um bom álbum mas que, ainda assim, fica uns furos abaixo de “Overgrown”.

As 17 canções do alinhamento representam mais de 76 minutos de (boa) música mas, pontualmente, Blake deixa-se envolver de tal maneira na forma que compromete o conteúdo. Em “Points” ou Timeless”, por exemplo, o exercício sonoro criado e murmurado adiciona (supérfluas) camadas direcionais mais que não chegam a um esperado clímax.

Sabendo o que vale e pode dar James Blake, elevam-se as expectativas e quando se ouve um álbum como “The Colour in Anything” queremos ainda mais. A pressão intrínseca da sua própria criação leva a uma tentativa de reinvenção na busca da perfeição em forma de canção pop com um perfil que mistura Soul, R&B e eletrónica e, tendo em conta o seu passado, acreditamos sempre que o próximo passo seja a tal obra-prima que tanto se deseja. Mas enquanto a esperamos, deixemo-nos envolver por os já criados passos que nos levaram a tão desejado fim.

Alinhamento:
1. Radio Silence
2. Points
3. Love Me in Whatever Way
4. Timeless
5. f.o.r.e.v.e.r.
6. Put That Away and Talk to Me
7. I Hope My Life
8. Waves Know Shores
9. My Willing Heart
10. Choose Me
11. I Need a Forest Fire
12. Noise Above Our Heads
13. The Colour in Anything
14. Two Men Down
15. Modern Soul
16. Always
17. Meet You in the Maze

Classificação do Palco: 7,5/10

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