quinta-feira, 10 de setembro de 2015

“Segredos Obscuros”
de Michael Hjorth e Hans Rosenfeldt

O homem que não era assassino


Sebastian Bergman é um psicólogo que trabalhava como profiler para a Riksmord, uma divisão especial de investigação criminal da polícia sueca. Especialista em encontrar o rasto de serial killers, Bergman acabaria por ter sido apanhado no seio da mais cruel das tragédias familiares. Mulher e filha foram mortas por um terrível tsunami que abalou a ilha no Oceano Índico em que a família passava umas férias de natal.

Perdido e só no mundo, Sebastian fez-se refém do desespero e encontrou no álcool e no vício do sexo uma espécie de catarse eternamente adiada. O contacto ténue de Bergman com o mundo exterior era apenas feito através das conversas com o seu terapeuta.

Foi novamente a perda de um familiar – a sua mãe -, que levou Sebastian a sair do seu casulo, da sua zona de (des)conforto, e vê-se de novo em Västerås, a cidade que o viu crescer. Agastado por uma péssima relação familiar com os seus pais, Bergman decide libertar-se de todos os bens relacionados com a herança que agora, involuntariamente, lhe chegou às mãos.

O objetivo é partir para longe e esquecer Västerås. Mas, enquanto tenta livrar-se da casa paterna, descobre um segredo com mais de trinta anos que pode mudar completamente a sua vida.

A única forma de conseguir mais informações sobre o que descobriu é aliar-se aos camaradas da Riksmord que no momento investiga um estranho caso de o desaparecimento de Roger Eriksson, um rapaz de 16 anos. Felizmente para Sebastian, quem esta no comando das operações é Torkel, um ex-camarada de “armas”, que aceita de novos os préstimos do profiler de temperamento irascível a bem de toda a investigação. A restante equipa não vê com bons olhos esta colaboração mas não lhes resta outra opção senão cooperar.

Mais que ajudar na investigação, Sebastian quer desvendar o segredo que o afligiu recentemente mas, aos poucos, a investigação sobre Eriksson ganha contornos interessantes para a sua sagacidade profissional. Afinal, Roger foi assassinado e um grupo de escuteiros envolvido na sua busca descobre o corpo do jovem no meio de um pântano. A morbidez da descoberta revela um corpo profanado, sem coração.

É assim que começa a trama de “Segredos Obscuros” (Suma de Letras, 2015), um romance policial escrito a quatro mãos pela dupla sueca Michael Hjorth e Hans Rosenfeldt, nomes ligados ao guionismo de séries televisivas, das quais se destaca a premiada saga policial “Bron”, difundida em mais de 170 países e foi alvo de remakes nos Estados Unidos da América e em França e que nasceu da criatividade de Rosenfeldt.

Já alvo de adaptação televisiva na Suécia, “Segredos Obscuros” tem todos os predicados para agradar os fãs dos bons policiais nórdicos. Sebastian, por exemplo, não sendo um personagem fácil, tem um perfil atormentado pelo passado e, à medida que a narrativa se desenvolve, se envolve na história e leva o leitor a perceber a sua cabeça, o seu comportamento, a sua marginalidade intelectual.

Com uma estrutura sólida, este livro apaixona o leitor sem grandes demoras. Ainda que o seu início seja um pouco confuso pelo número de personagens que apresenta, o dinamismo da narrativa encaixa perfeitamente cada nome, cada tormento, dúvida ou certeza, no contexto certo.

A solidão é um lugar-comum à esmagadora maioria dos personagens, principalmente nos casos da equipa da Riksmord onde Torkel, Vanja, Billy e Ursula são como que elos indissociáveis para que o todo funcione. A par desses nomes está a dupla da polícia local composta pelo “casal” Hanser e Haraldsson, chefe e súbdito que procuram afirmação e brio naquilo que fazem. Pelo meio, surgem personagens laterais, secundários, que elevam a grandiosidade dos restantes, conferindo-lhes corpo, coerência, presença e afinco.

São todas estas peças soltas que conferem unidade a um puzzle bem pensado e escrito. A trama flui de forma dinâmica e muito vezes “às custas” de lutas pessoais, interiores dos muitos protagonistas que procuram, em alguns casos mais que outros, um apoio, um abraço, um amigo.

As últimas páginas revelam-se particularmente interessantes e a descoberta do pouco provável assassino bem como algo que vai mudar para sempre a vida de Sebastian fazem com que o fim do livro seja um “martírio” para o leitor que desespera por mais um capítulo desta excelente série.

In Rua de Baixo

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