segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“Enciclopédia da Estória Universal
de Mar” de Afonso Cruz

A sabedoria é um peixe que cresce na alma

 
Escrever um livro é uma ação que nos últimos tempos traz inerente uma quase sensação “banal”. Quase todos os dias chegam às livrarias – físicas ou virtuais – novos autores ou editoras. Ainda que Portugal seja um país dado a mestres das escritas, a crescente oferta complicou – no bom sentido, esperemos – a triagem das obras. Romance, ensaio, poesia, ficção, testemunho, divulgação. As abordagens/temáticas sucedem-se. Resta ao leitor fazer a sua (difícil) escolha.

Mas, no seio de efervescente mercado editorial, há nomes e obras consensuais, transversais. Afonso Cruz é um deles. Mescla de escritor, poeta, ilustrador, cineasta, músico, produtor de cerveja e sonhador, o autor de livros como “A Boneca de Kokoschka”, “Jesus Cristo Bebia Cerveja” ou “Para Onde vão os Guarda-chuvas”, Cruz é uma das mais criativas vozes da literatura nacional.

Fazendo como poucos a ponte entre a realidade e o onírico, Afonso Cruz tem construído um universo literário único cuja transversalidade atinge o seu auge na excelente coleção “Enciclopédia da Estória Universal”, um conjunto de obras que (des)constroem a linguagem da simples forma de relatar um acontecimento, de fixar um pensamento, uma parábola, um conto, um aforismo, um sentimento.

E são mesmo sentimentos exacerbados que marcam a densidade criativa sublinhada nas páginas de “Enciclopédia da Estória Universal – Mar” (Alfaguara, 2014), o primeiro tomo da coleção dedicado a uma temática específica e que mantém a magia dos anteriores volumes.

Sempre com o mar no horizonte, Afonso Cruz fala-nos de Hemingway e Mody Dick, palavras que se transformam e transmutam, mães que diminuem, viagens sonhadoras patrocinadas por ingressos vindos de terras distantes que são escondidos em travesseiros, um pescador de bacalhau albino com constelações tatuadas nas costas, alguém que reclama “ser” o primeiro a chegar ao Evereste, naufrágios e náufragos, ilhas desertas, visões bipolares do céu e inferno, diálogos entre reis e mouros que falam da personificação de deus no pão, melodias cruzadas, entre muitas, muitas estórias.

Como notas de alguma diferenciação face aos outros livros desta coleção organizado por Téophile Morel, “Enciclopédia da Estória Universal – Mar” traz-nos três narrativas diferentes cuja amplitude ressalta e sua interligação as tornam em uma espécie de conto sobrenatural feito de coincidências ou acasos do destino.

No seu todo, esta obra, livre de espartilhos ou rótulos literários, faz sentir a maresia em cada página. Afonso Cruz confirma que «a proximidade do mar provoca profundas alterações na alma», ainda que o mesmo possa assumir-se como «um irracional ato divino».

In Rua de Baixo

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