segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

“A face oculta de Fidel Castro”
de Juan Reinaldo Sánchez (e Axel Glyden)

A incongruência de El Comandante


Quando a revista norte-americana “Forbes” inclui Fidel Castro na lista dos dez mais ricos reis, rainhas e ditadores em 2006, o, à época, líder maior de Cuba, reagiu intempestivamente declarando que auferia de um salário mensal a rondar os 900 pesos cubanos, isto é, pouco mais de trinta euros. Para além disso, gritou aos quatro ventos que vivia na mais humilde frugalidade, à imagem dos seus compatriotas e camaradas de luta.

Cerca de uma década depois, Juan Reinaldo Sánchez, antigo membro da guarda pretoriana de Castro, tarefa que desempenhou ao longo de 17 anos, veio desmentir o líder comunista e ao longo das mais de 240 páginas de “A face oculta de Fidel Castro” (Planeta, 2014) revela os segredos e a intimidade de um homem obcecado pelo luxo e despotismo.

Como guarda-costas de Fidel, Reinaldo Sánchez teve o privilégio de conhecer como poucos o Líder Máximo de um país que ao longo da sua existência se vê amarrado a uma filosofia comunista que impede o seu desenvolvimento social, económico e político.

Contrariando o espírito cubano, imposto pelo próprio Fidel, El Comandante viu a sua fortuna pessoal crescer – muito graças ao erário público -, e ao longo da vida mostrou vincada faceta autocrática e paranoica, revelando-se espião de vastos recursos, um difuso diplomata e cúmplice de traficantes.

Mas Sánchez vai mais longe e não tem medo de esmiuçar a vida capitalista de Fidel, o qual apelida de “senhor feudal” que governava a sua – sem aspas – ilha como se de um feudo se tratasse. Castro reuniu um espólio de duas dezenas de habitações de luxo, vários iates de luxo, entre um sem número de posses que a maioria dos cubanos nem sonhava que existissem. Para além disso, Fildel Castro controlava várias contas bancárias além-fronteiras e empresas associadas assim como uma ilha privada (Cayo Piedra, a sul da Baía dos Porco, que chegou a ser visitada por gente ilustre como o escritor Gabriel Garcia Marques, Ted Turner, o proprietário da CNN ou Barbara Walters, conhecida reportes do canal norte-americano ABC) que conta com um restaurante flutuante e um aquário de golfinhos, propriedade apenas disponível para a família e amigos mais próximos.

Com o precioso auxílio do jornalista francês Axel Glyden, Sánchez, delineou um dos mais pertinentes livros sobre o peculiar mundo associado a Cuba e “A vida oculta de Fidel Castro” foca-se essencialmente no combate à desmistificação da vida “austera” do seu omnipotente e omnipresença líder que, antes de ser abalado pela doença, se refugiava na clandestinidade devido às inúmeras tentativas de assassinato que alegava ter sido vítima ao longo da vida.

Através de uma narrativa escorreita e simples, este livro alicerça-se no conhecimento intimido que Sánchez acumulou ao longo da sua atividade enquanto guarda-costas de Castro e que lhe permitiu ter acesso a bizarras informações como o facto de Fidel se fazia acompanhar de pelo menos uma dezena de guarda-costas, dois deles com o mesmo tipo sanguíneo que o líder cubano pois El Comandante não acreditava nas vulgares transfusões de sangue, se tal fosse necessário. A lunática paranoia de Castro obrigava mesmo que todas as encomendas por si recebidas tinham de ser alvo de uma primeira verificação para despistar germes e efeitos radioativos.

Ainda que tal possa parecer fruto de um qualquer filme ficcionado, “A face oculta de Fidel Castro” disseca sobre a dinastia Castro, a face mais guerrilheira do Líder Cubano, a relação entre Havana, Moscovo, Angola e a ex-RDA assim como alguns casos polémicos como o que teve o General Ochoa, antigo herói da Revolução cubana, como principal protagonista.

Desiludido, Sánchez prometeu a si mesmo contar ao mundo a outra face de Fidel Castro depois de, conta o ex-guarda-costas na página 25: «compreender que Fidel utilizava as pessoas enquanto lhe eram úteis e que depois as desprezava sem o menor remorso». Para se afastar de tal tentou antecipar a reforma em dois anos mas como resposta recebeu uma estada numa prisão repleta de baratas durante anos até que, à décima tentativa, conseguiu fugir.

É o resultado dessa luta pela liberdade de vida e consciência que trata “A face oculta de Fidel Castro”, um livro que vem demonstrar que, muitas vezes, os homens escondem-se por trás de opacas cortinas onde a mentira é o pilar principal da sua edificação.

In Rua de Baixo

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