domingo, 21 de dezembro de 2014

NBA 2K15
XBOX 360

Terá chegado o momento?


Remonta a 1999 a primeira edição da série NBA 2K e na altura a Visual Concepts concebeu aquele que viria a transformar-se na maior referência dos simuladores de basquetebol para o universo Dreamcast, um produto da japonesa Sega.

Década e meia volvida, eis que surge NBA 2K15, um jogo lançado para as consolas das duas últimas gerações assim como para as versões Windows, Android, Ipad e Iphone. E tal como na primeira edição do jogo, a primeira coisa que fazemos depois de colocar o jogo na consola é… jogar. Somos apenas nós, a equipa contrária e o campo.

Num ápice, Kevin Durant, a estrela dos Oklahoma City Thunder cede o seu lugar na imagem e ouvimos “Shut Em’ Down” de DJ Caramel Jack. No écran estão agora Dwyane Wade, dos Miami Heat e Tim Duncan, dos San Antonio Spurs a brincar com a bola. Uma espera superior à normal neste menu leva-nos a ouvir “Suck My Kiss” dos Red Hot Chili Peppers. O ambiente sonoro é muito simpático e a responsabilidade da sua escolha foi de Pharrell Williams.

De comando em riste, deixamos a apresentação do jogo envolver-nos mas quando o gongo soa não podemos voltar atrás. Tenta-se ganhar o ressalto, os dribles sucedem-se. Lançamos ao cesto, acertamos, falhamos. O jogo é mesmo isto. Mas, será que estamos a jogar NBA 2K15? Ou será NBA 2K14? As diferenças são poucas e o gameplay é basicamente o mesmo.

À medida que evoluímos no jogo notam-se ligeiras diferenças no interface do utilizador. Uma evolução na mecânica de lançamento que nos ajuda a ser mais certeiros e a movimentação parece mais fluida. Não precisamos recorrer ao tutorial para conseguir jogar, isto claro, para quem está habituado ao mundo NBA 2K.

Ainda assim, as maiores diferenças notam-se em termos gráficos, especialmente nas consolas de última geração, pois na versão Xbox 360 que realizamos este teste as coisas estão bem idênticas à versão 14, o que não é necessariamente negativo pois a dinâmica dos jogadores é muito próxima do real. Menos boa está a questão facial dos jogadores e em alguns casos o resultado é manifestamente constrangedor nomeadamente no que toca à expressão emotiva das estrelas, um problema que vem das edições anteriores. Apesar disso, o suor aparece nos semblantes de forma “natural” e as marcas faciais estão bem trabalhadas e adensam a questão dos pormenores.

Mais visíveis são os ajustes em termos da fórmula do gameplay, principalmente na questão defensiva. Existem mais opções de ressalto e podemos agora recorrer a outras formas de contrariar o lançamento adversário, estas sim, evoluções face à edição de 2014.

Estes pequenos ajustes dão uma visão do que é o jogo na globalidade, isto é, um pouco mais do mesmo, sem grandes atrativos em forma de novidade no que toca à jogabilidade. Tal não quer dizer que não existam pontos favoráveis em NBA 2K15 mas a grande questão que se coloca é se está nova versão é suficientemente pertinente para atrair quem já possui NBA 2K14.

Ainda assim, estamos perante um jogo com uma excelente narrativa e o modo de criação de um jogador continua muito acima da concorrência (se é que ela existe depois da fraca luta que a série Live NBA da EA Sports tem vinda a representar) e nesta edição 2015 está uns furos acima daquilo que se viu no ano passado. Podemos mesmo fazer um scan na nossa cara através do Kinect. O processo é simples e muito interessante, permitindo trabalhar posteriormente a estrutura facial e é divertido dar outra tez à nossa expressão bem como trabalhar o nosso semblante de muitas maneiras. Se alguma vez teve esperança de se tornar numa estrela da NBA, chegou a sua hora.

Também o modo Carreira denota alguns ajustes mas basicamente mantém a sua (boa) estrutura. Assumimos a figura de um jogador livre e o primeiro objetivo é conseguir um contrato de 10 dias. Depois de provarmos o nosso valor, o céu é o limite. O dramatismo da NBA está presente e a glória apenas só pode ser alcançada depois de muito suor e lágrimas.

Uma nota positiva também para o trabalho de vocalização de alguns jogadores no modo Carreira pois se em NBA 2K14 o ambiente é claramente artificial, a nova versão denota maior profissionalismo o que é também uma mais-valia. Algo que já não se pode dizer em relação à estrutura de modo online que provoca uma acentuada dose de frustração principalmente no que toca à falta de estabilidade e sincronia entre os comandos e a ação do próprio jogo cujo delay é extremamente contraproducente.

Em forma de resumo, NBA 2K15 assume um perfil, grosso modo, idêntico às mais recentes edições transatas: boa jogabilidade, excelência do modo Carreira e um confrangedor modo online. A apreciação global é positiva – e mais uma vez podemos contar com 25 equipas da Euroleague Basketball – mas ainda não é desta que a série dá o esperado salto para novos patamares de interesse. Não resta outra coisa senão (des)esperar por esse momento.

In Rua de Baixo

Noiserv
“Everything Should Be Perfect Even If No One's There” DVD

Sozinho em Casa

 
Há poucos músicos assim. Há pouca música assim. O universo sem paralelo criado há cerca de uma década por David Santos, a.k.a. Noiserv, continua a deixar marcas.

Pouco mais de um ano depois de editar “ A.V.O – Almost Visible Orchestra”, eis que chega aos escaparates “Everything Should Be Perfect Even If No One's There”, um registo DVD gravado no minhoto teatro Diogo Bernardes. Intimista e cheio de alma, “Everything Should Be Perfect Even If No One's There” é tudo menos uma simples gravação de um (qualquer) concerto. Com produção do CANAL 180 em parceria com a Filmesdamente, estamos perante uma peça de pura filigrana musical e visual.

Traçando uma tangente no seu espólio artístico, David Santos veste a pele de um verdadeiro homem dos muitos instrumentos – 24 no total – e as nove composições ouvidas em cerca de 45 minutos fazem-nos sentir como se dentro de uma caixinha de música estivéssemos. Ainda que o teor deste “concerto” seja sinónimo do que tem sido a mais recente digressão de Noiserv, as seis câmaras que dissecam a prestação irrepreensível de David Santos tornam cada segundo, cada frame, num momento especial, único e completamente absorvente. Os pormenores revelam-se num eterno grande plano visual e auditivo que os sentidos resgatam deste trabalho. Do mais singelo acorde até à mais abrasiva equação sonora.

Misturando canções do mais recente “A.V.O – Almost Visible Orchestra” com outras de outros registos, “Everything Should Be Perfect Even If No One's There” segue o trilho da perfeição sonora através da exploração de um quase ilimitado somatório de camadas musicais que desafiam fronteiras entre o perpétuo e o efémero, entre o simples acorde e a refinada orquestração. Como elo aglutinador surge a voz segura e cadenciada de David Santos, também ela um instrumento vibrante que envolve música, instrumentos e imagem. Quando dentro do carrossel que é a música de Noiserv, é difícil abandonar essa viagem sincopada por um assinalável e - por que não dizê-lo sem qualquer tipo de imparcialidade – delicado bom gosto.

Seria injusto, tremendamente diga-se, destacar algum momento em “Everything Should Be Perfect Even If No One's There”. Todos eles são de uma imaculada pureza. A música encaixa perfeitamente nos nossos ouvidos anteriormente treinados pela mestria musical de discos como o já referido disco de 2013, “One Hundred Miles from Thoughtless”, ou dos mais curtos “A Day in the Day of the Days” ou “56010-92”.
Peça de ímpar beleza, este DVD tem o condão de mostrar o planeta singular de David Santos de uma forma particularmente cativante. Mais do que um veículo visual e musical, “Everything Should Be Perfect Even If No One's There” é um exercício de exacerbada beleza, uma forma de contemplar, e abraçar, a banda-sonora perfeita de um devaneio onírico, de um sussurro que envolve, amarra e se eterniza.

Alinhamento:

1 Mr. Carousel
2 This is maybe the place where trains are going to sleep at night
3 Bullets on Parade
4 Today is the same as yesterday but yesterday is not today
5 The sad story of a little town
6 It's easy to be a marathoner even if you are a carpenter
7 Palco do Tempo
8 I was trying to sleep when everyone woke up
9 Don't say hi if you don't have time for a nice goodbye

Classificação do Palco: 10/10

In Palco Principal

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

“A Chave de Salomão”
de José Rodrigues dos Santos


Na página 350 de “A Chave de Salomão” (Gradiva, 2014), depois de uma intensa conversa sobre Física entre Tomás Noronha e Maria Flor, o historiador afirma: «O universo é uno.» A leiga Flor fica surpreendida com tal afirmação mas não desarma e pergunta ao camarada de aventura e conselheiro da Fundação Gulbenkian o que tal significa. Noronha é então peremptório e diz estar mais perto de resolver o enigma.

A referida declaração resume o quinto congresso Solvay, realizado em 1927, que colocou frente a frente gente como Albert Einstein e Niers Bohr, cientistas que ilustram a capa “escondida” do mais recente romance de José Rodrigues dos Santos, um livro que transporta o leitor para uma alucinante viagem entre a ciência e a filosofia e cuja génese é a morte de Frank Bellamy, director de Tecnologia da CIA.

Inesperadamente, o corpo do norte-americano é encontrado no CERN, em Genebra, quando cientistas procuram o bosão de Higgs, também apelidado de Partícula de Deus. Para além do trágico que a morte de Bellamy encerra, o mistério cresce dado que a vítima foi encontrada com a estranha mensagem: «The Key: Tomás Noronha.» Sem nunca o esperar, Noronha assume-se como o maior suspeito da morte de Frank Bellamy e apenas resta ao português tentar demonstrar a sua inocência. Ciente de que Tomás é o homicida, a CIA lança uma autêntica caça ao homem e o historiador vê no seu encalce homens contratados pela agência norte-americana.

Misto de fuga e desesperada viagem, a demanda de Tomás Noronha, na companhia da bela Maria Flor leva a dupla a percorrer séculos de descobertas científicas, que têm a Física como o maior elo aglutinador. Mas pelo meio, outras dívidas surgem: como será a vida depois da morte? A alma existe? O que é, de facto, a realidade?

Fruto de uma intrincada investigação, “A Chave de Salomão” leva o leitor para o interior de um universo que mescla conceitos como a consciência e a realidade e, apesar de ser um livro de ficção, a informação científica é genuína. Rodrigues dos Santos escreve, nas primeiras páginas do livro, que «todas as teorias e hipóteses apresentadas são sustentadas por cientistas.»

O ritmo das páginas de “A Chave de Salomão” pauta-se por um registo dinâmico – frenético até – e cativa o leitor desde as primeiras frases, que revelam em si situações repletas de acção, peripécias várias e, por vezes, longas e pormenorizadas descrições dos ambientes, uma das mais vincadas imagens de marca do estilo narrativo do autor de “Codex 632” e “A Fórmula de Deus”.

O suspense marca presença permanente neste romance que, por vezes, entra em modo automático e particularmente maçador quando Noronha divaga sobre Ciência e Física – apesar da sua pertinência contextual, são momentos contraproducentes para a fluidez dinâmica da trama. Essa é uma das pechas deste livro que tendencialmente, a espaços, arrasta o leitor para longos discursos (ou quase monólogos) centrados nas mentes de, por exemplo, Max Plank, Alberte Einstein, Werner Heisenberg ou Erwin Schrodinger.

Apesar disso, Rodrigues dos Santos consegue construir várias camadas misteriosas que, à medida da sua descoberta, tornam a ação mais fluida, permitindo encaixar as muitas peças de um intrincado puzzle que navega ao longo de mais de 600 páginas, apostando numa narrativa formada por uma sucessão de capítulos que intervalam a trama entre si, conferindo assim um maior dramatismo ao romance que reserva alguns apontamentos irónicos – nomeadamente à fragilidade anedótica da suposta super-competente CIA.

Ainda que tal possa ter relevância subjectiva face ao resultado final, são notórias as comparações entre o universo de Rodrigues dos Santos e o de Dan Brown, “fantasma” que persegue algumas obras do autor português mas que não impede de o afirmar, cada vez mais, como o escritor que mais vende em Portugal.

“A Chave de Salamão” está perto de atingir a invejável marca das 100 mil vendas, sendo que o também jornalista está perto de conseguir a bonita soma de dois milhões de livros vendidos ao longo da sua (super)produtiva carreira. Números à parte, e não sendo a melhor obra de José Rodrigues dos Santos, “A Chave de Salomão” é um livro consistente e vai, de certeza, fazer as delícias dos fãs do autor.

In deusmelivro

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

“A Primeira Guerra Mundial”
de John Keegan

Uma tragédia com epicentro na Europa


 Um das questões mais importantes quando falamos de não-ficção é a pertinência dos factos, esses elementos aglutinadores que tornam a realidade como uma balança que oscila mediante os seus protagonistas, os seus acontecimentos e, acima de tudo, a ambiência conjuntural.

Quando o cenário retratado nos remete para um conflito bélico à escala planetária (ou quase), são muitas as questões que surgem. Qual a génese de uma guerra? Para que serve a mesma? Existe alguma legitimidade para tal?

Cético, Sir John Keegan, professor da Academia Militar de Sandhurst e historiador britânico especialista em conflitos bélicos, entretanto falecido em 2012, não tem dúvidas em caracterizar a Grande Guerra como “um conflito trágico e inútil”. Tal pode ser lido nas primeiras linhas de “A Primeira Guerra Mundial” (Porto Editora, 2014), um extraordinário livro assente em uma linguagem acessível e contagiante sobre um recontro que teve a sua origem no assassinato de Francisco Fernando, arquiduque da Áustria, em 28 de junho de 1914.

Assim, há precisamente cem anos, o mundo dito moderno estava a braços com a Primeira Guerra Mundial e foi este terrível evento que vitimou cerca de 10 milhões de pessoas que definiu, à força, a história de um século que viria a ser, mais tarde, assombrado pelo nascimento do nazismo, a afirmação da Rússia Soviética, os ecos da Guerra Fria, a desintegração da Europa Central assim como os bárbaros conflitos no Médio Oriente e o policiamento do universo por parte dos Estados Unidos da América.

Neste livro, dedicado a todos os que não tiveram a felicidade de regressar do palco do conflito, Keegan traça uma tangente sobre os vários vértices da guerra vivida entre 1914 e 1918, debruçando-se sobre a tragédia que assolou a Europa nesse período, os planos de guerra, a chamada crise de 1914, a batalha das fronteiras e do Marne, a alternância vitoriosa no Leste bem como a leitura da dureza das próprias batalhas assim como os seus efeitos nefastos sobre os militares ou o papel dos norte-americanos na ponta final daqueles que foram quatro anos negros.

A par de uma rica bibliografia, algumas das mais emblemáticas fotografias do conflito assim como mapas que explicam os avanços e recuos das forças militares, “Primeira Guerra Mundial” apresenta ainda uma pertinente reflexão que analisa a presença dos portugueses no conflito e as suas consequências em termos do futuro deste país à beira-mar plantado.

In Rua de Baixo

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Tears for Fears
“Songs from the Big Chair - Super Deluxe Edition Box Set”

Eles queriam e conquistaram o mundo

 
Muita da melhor música pop das décadas de 1980 e 1990 nasceu do complô criativo que brotou da junção de Roland Orzabal e Curt Smith, a dupla que ficou conhecida no mundo da música como Tears for Fears.
Fazendo uso de uma magnífica mescla entre ingredientes inatos tanto ao espírito da new wave como do synthpop, a banda britânica originária de Bath, a oeste de Londres, conseguiu a proeza de vender até hoje mais de trinta milhões de discos e colocar mais de duas dezenas de composições nos lugares cimeiros das tabelas de vendas internacionais.

Mas, para além da componente comercial, os Tears for Fears tiveram o mérito de assinar um dos melhores discos da história da música moderna. Falamos de “Songs from the Big Chair”, segundo longa-duração da dupla e um álbum fabuloso que, em 1985, deixou o mundo rendido a músicas como “Shout”, Everybody Wants to Rule the World”, “The Working Hour”, “Head Over Heels” ou “Mothers Talk”.

Ombreando em termos sonoros com bandas como os Human League, Soft Cell ou ABC, os Tears For Fears ousaram mesmo reclamar pelo título da maior banda à face do planeta, tal era a força e magnitude da sua música. Rapidamente, Orzabal e Smith conquistaram o mundo através de uma pop brilhante, que encontrava excelente porto de abrigo em orquestrações cerebrais e eletrónicas.

A ambição poética deste disco transpunha qualquer tipo de fronteira musical e, ao longo das oito canções de “Songs from the Big Chair”, conviviam elementos épicos com sonantes solos de guitarra e fortíssimas percussões, que extravasavam por completo o conceito mainstream.

Décadas passaram mas a música manteve-se pertinente, acutilante, brilhante. Por isso, à passagem dos trinta anos de existência, “Songs from the Big Chair” é alvo de remasterização e novas edições, incluindo a ambiciosa Super Deluxe Edition Box Set, um conjunto de seis discos (quatro CD e dois DVD) ao qual se junta uma réplica do programa da digressão que promoveu o disco aquando do seu lançamento e ainda um booklet de 32 páginas.

Para além de, no primeiro disco, podermos contar com as oito músicas originais remasterizadas, encontramos também alguns lados B e versões raras limitadas e ou minimalistas. O segundo tomo desta edição de luxo é composto por versões de sete polegadas, enquanto no disco número três as surpresas dividem-se entre remisturas, versões 12 polegadas e experiências dub.

O quarto capítulo desta Super Deluxe Edition Box Set exibe canções nunca editadas, promos, demos e alguns momentos ao vivo, enquanto o disco cinco mostra as oito canções do alinhamento original em modo 5.1 Mix e Stereo. Já o DVD encerra em si um documentário, momentos de entrevista, atuações do lendário "Top of The Pops", assim como videoclips, carinhosamente apelidados no Portugal dos anos 1980 de “telediscos”.

In Palco Principal

“Bryan Adams”
“Reckless 30th Anniversary”

Clássico rock and roll




O país sonhava entrar na CEE, ainda se falava do “Tolan” atolado no Tejo, os portugueses vibravam com as fintas de Fernando Chalana no França 84. A década de 1980 estava ao rubro. Sentiam-se novas energias e vibrações, e o universo musical não fugia à regra. O rock luso marcava pontos e nasciam novas formas de promover a música. Se António Sérgio se assumia como um dos maiores divulgadores da causa, o nascimento do jornal “Blitz”, com Manuel Falcão ao leme, e o “Top Disco”, na RTP, sob a batuta de António Duarte, abriam horizontes aos melómanos cá do burgo. A oferta musical começava a ser significativa e os LP’s e os singles que chegavam a Portugal, com assombroso delay, diga-se, eram como presentes dos deuses.

Entre essas ofertas chegaram discos que, passados três décadas, são ainda hoje referências, gostemos ou não do estilo ou do autor. E um desses álbuns charneira é “Reckless”, do canadiano Bryan Adams, um disco com uma dezena de canções que misturavam alguma puerilidade rock and roll com assinalável pujança e um conjunto de melodias radio friendly que ainda hoje fazem sorrir, dançar e saltar os (mais ou menos) saudosistas.

Que atire a primeira pedra quem nunca bateu o pé ao som de “Summer of 69” ou “It’s Only Love”, suspirou com “One Night Love Affair” ou “Heaven”, ou sonhou acordado com “Run to You”.

Hoje, 30 anos volvidos, envolto numa torrente saudosista, o cantor, que passou alguns anos da sua infância e adolescência em Portugal, lança “Tracks of My Hears” e, acima de tudo, reedita “Reckless”, um disco que vendeu milhões um pouco por todo e mundo e que agora está disponível em várias versões de luxo.
Produzido em nome próprio e com a preciosa ajuda de Bob Clearmountain, “Reckless” conseguiu a proeza de ter colocado cinco singles no Top 15 norte-americano, algo que apenas “Thriller”, de Micheal Jackson, e “Born in the USA”, de Bruce Springsteen, haviam conseguido.

De forma a celebrar os trinta anos de vida, “Reckless” tem vida nova e foi alvo de remasterização. A par disso, vai ser possível ouvir mais sete inéditos e, na versão Super Deluxe, os fãs do autor de “Cuts Liks a Knife” vão também contar com um CD áudio com o concerto realizado em 1985 no mítico londrino Hammersmith Odeon.

Mas as surpresas não ficam por aqui. Existe também um DVD com um filme inédito de “Reckless” e um Blu-Ray áudio com o álbum misturado em 5.1 pelo já referido Bob Clearmountain. Esta edição vem acompanhada por um livro que inclui, para além de fotografias inéditas, apontamentos de Alexis Petridis, Bryan Adams, Jim Vallance e Bob Ludwig - o quarteto que, entre março e agosto de 1984, pisou o Little Mountain Sound Studios em Vancouver, Canadá.

In Palco Principal

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

“Um, dó, li, tá”
de M. J. Arlidge

Dois reféns, uma bala, uma terrível decisão


Combinar uma forma narrativa excitante, personagens com cabeça, tronco e membros e uma atmosfera assustadoramente inebriante não é tarefa fácil mas o britânico M. J. Arlidge consegue-o logo na sua primeira experiência enquanto escritor de romances policiais.

Com uma vasta experiência em televisão – nomeadamente em séries dramáticas de cariz criminal – Arlidge lança-se de cabeça no panorama literário com “Um, dó, li, tá” (Topseller, 2014), uma obra que está a fazer furor em termos internacionais através de (merecidas) excelentes críticas.

No centro da ação está Helen Grace, inspetora-detetive do departamento policial de Southampton que lidera uma investigação envolta de um intrincado jogo de sacrifício onde a chantagem psicológica do raptor encontra feedback no desespero das vítimas que são obrigadas em optar entre matar ou morrer, entre salvar-se ou eliminar o seu companheiro de forçado cativeiro.

Tudo começa quando Sam e Amy, um jovem casal, é raptado e se vê forçado face a uma decisão aterradora. As regras deste abominável jogo são claras: apenas um dos reféns pode sair com vida deste cárcere. Alvos de uma forte manipulação, os namorados enfrentam o desespero e a “solução” assume a forma de uma bala. Um simples tiro certeiro significa o fim do martírio de um dos raptados, um preço demasiado alto.

Os casos sucedem-se e cada pormenor, cada detalhe, leva Helen a acreditar que existe um padrão nos acontecimentos. Com a preciosa ajuda do atormentado Mark Fuller e da belíssima Charlie, uma dupla de detetives que habitualmente acompanha as investigações de Grace, a inspetora-detetive está cada vez mais convencida que a chave para capturar o monstro raptor está nos sobreviventes. Mas o tempo não para e a qualquer momento o número de vítimas pode aumentar enquanto a época natalícia em Southampton é manchada pelo vermelho do sangue derramado.

Estão assim lançados os dados para este que é um dos mais alucinantes romances policiais do presente ano. Arlidge revela uma ímpar mestria em combinar tensão, mistério e uma estória muito bem delineada. Um dos grandes trunfos de “Um, dó, li, tá” está na sólida construção dos personagens, principalmente da tripla Helen, Mark e Charlie, que mostra pormenores de grande lucidez ao apresentar “notas de rodapé” sobre as complicadas vidas destes polícias que, cada um à sua maneira, tentam ultrapassar fantasmas interiores que teimam em não abandonar as suas mentes.

Mas é também no perfil pérfido do raptor que reside outra das traves mestras deste romance pois as suas pensadas movimentações tendem a fazer revelar o pior do ser humano encurralado por uma situação que leva a que os sobreviventes sintam a dor imensa provocada pela culpa de matar alguém, para mais um amigo, um camarada de trabalho, um namorado ou uma filha. Desta forma recai sobre os “vencedores” um tormento interminável que os leva a ponderar a sua condição humana.

Escrito através de capítulos curtos, dinâmicos e absolutamente viciantes, que remete para um universo cinematográfico de películas como “Saw”, “Um, dó, li, tá” leva o leitor a devorar num ápice as páginas deste thriller psicológico cujos contornos mórbidos arrepiam e entusiasmam quem o lê pela sua brutalidade, intrincadas camadas de tensão e um enredo genuinamente entusiasmante que, algo já garantido pela editora, vai ter uma sequela.

In Rua de Baixo