quarta-feira, 12 de novembro de 2014

“O PINTASSILGO”
DE DONNA TARTT

Um livro grande ou um grande livro?



Um dos maiores fenómenos dos últimos anos no que toca ao universo literário, “O Pintassilgo” (Presença, 2014) da norte-americana Donna Tartt – considerada pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes no mundo – chega-nos envolto de uma embalagem de sucesso e qualidade cujo expoente foi o arrebatar o Prémio Pulitzer em termos de ficção no ano de 2013.

Depois de “A História Secreta” e “O Pequeno Amigo”, Tartt aposta num livro de toadas épicas que nos leva a percorrer a história recente dos Estados Unidos da América, um país onde o medo do terrorismo e a dicotomia constante entre espaço público e privado estão na ordem das discussões quotidianas.

Ao longo das quase novecentas (!) páginas de “O Pintassilgo”, ficamos a conhecer fatias da existência de Theo Decker, um rapaz de 13 anos que vê a sua vida explodir, no sentido literal da palavra. Depois de ver um pai ausente abandonar definitivamente o lar, Theo vive os normais dramas de um adolescente, mas um dia a sua mãe é chamada à escola pelo seu mau comportamento e tudo não voltará a ser igual.

A caminho da escola, Theo e sua mãe, depois de uma viagem de táxi algo atribulada, decidem visitar o Metropolitan Museum of Art, em pleno coração da nova-iorquina Quinta Avenida. Depois de uma curta visita, enquanto a mãe de Theo ruma à loja de recordações, o rapaz deixa-se enfeitiçar pela magia que emana do olhar de Pippa, uma ruiva intrigante.

Mas não é só o coração de Theo que estreme. Instantes volvidos, uma bomba rebenta na galeria do museu e Theo é um dos poucos sobreviventes. Na ressaca do acidente, o adolescente carrega uma pintura datada de 1654 intitulada “O Pintassilgo”. A referida obra de arte foi-lhe “oferecida” por um velho cujo último suspiro foi dado na presença de Theo.

Mais tarde, Theo conhece Hobie, um restaurador de arte que se torna num confidente e uma espécie de refúgio perante a constante dor de Theo face a uma vida sublinhada pela perda da mãe e a ausência do pai e que encontra no álcool e outras substâncias um ponto de fuga que deriva em um comportamento autodestrutivo.

Egoísta e admiravelmente desagradável, Theo assume as funções de narrador e personagem principal e, através da hábil narrativa de Donna Tarrt, consegue transmitir um sentimento de decência, apesar de tudo. Já Hobie é um personagem mais maduro enquanto Boris, outro dos comparsas de Theo, é o reverso da medalha e não esconde a sua faceta desonesta, despreocupada e arrogante, sem qualquer pejo.

Com excelentes criticas um pouco em todo o mundo, “O Pintassilgo” deixou boquiabertos grandes mestres da literatura entre os quais Stephen King, que afirma que a obra de Tartt é: “um daqueles livros raros que aparecem meia dúzia de vezes por década” e cuja narrativa “resulta em um magnífico romance literário capaz de tocar tanto o coração como a mente”. Já outros referem a vertente dickensiana e algum virtuosismo vitoriano de “O Pintassilgo”, mas ao folhear a obra de Donna Tartt aquilo que fica é uma sensação controversa.

Se, por um lado, “O Pintassilgo” tem momentos de grande brilhantismo onde a capacidade de detalhe e dinâmica de Tarrt é assinalável, noutras passagens o leitor mergulha em um lento e desencorajador relato (por exemplo, as passagens que versam sobre Theo a ingerir substancias proibidas são um verdadeiro teste de resistência ao leitor, assim como o inicial relato da explosão do museu. Ambos os “episódios” prolongam-se por 50 ou mais páginas…) que leva à (quase) exaustão enquanto folheia este thriller. Será este registo bipolar que torna o livro em um fenómeno à escala mundial?

Outras das questões menos positivas da trama prende-se com o uso recorrente de clichés, sobretudo na pessoa da personagem de Theo, uma alma perseguida e assombrada por fantasmas do passado que impedem o seu amadurecimento, algo que assume alguns contornos de “banalidade”.

O próprio romance não se refugia de um eterno mar de coincidências que formam o evoluir da narrativa. Correndo o risco das próximas linhas serem uma espécie de spoiler, como entender que o senhor idoso que está no museu aquando da explosão peça a Theo para furtar a já referida pintura? Porque será que toda a gente que rodeia Theo está, mais ou menos, associada à arte? Será apenas sorte ou Theo conhece sempre a pessoa certa no momento certo, para mais numa metrópole como Nova Iorque? Estas são algumas das pontas soltas que podem ser identificadas em “O Pintassilgo”.

Somando virtudes e “defeitos”, entende-se porque “O Pintassilgo” tem sido alvo de tanto atenção apesar de, como referimos, a estatuto de obra-prima nos parecer exagerado, tal como o elevado e injustificado número de páginas. No entanto, é compreensivelmente difícil resistir à tentação de pegar em um livro cujo rasto seja sinónimo de um incomensurável sucesso mundial e tal, per si, pode justificar a sua pertinência.

In Rua de Baixo

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