sexta-feira, 7 de novembro de 2014

“Agatha Christie – Os Crimes do Monograma”
de Sophie Hannah


Muito daquilo que o romance policial é enquanto expressão literária por excelência, deve-o ao talento da britânica Agatha Christie, autora de mais de oito dezenas de livros que conquistaram fãs em todo o mundo e deram vida a fantásticos personagens como Miss Marple e, acima de tudo, Hercule Poirot.

Desde a edição de “O Misterioso Caso de Styles”, em 1920, o primeiro livro de Christie que tinha Poirot, Hastings e Japp nos papéis principais, até “Um Crime Adormecido”, derradeiro suspiro literário da Rainha do Crime editado na década de 1970, ficaram gravadas nas mentes dos leitores de todo o mundo milhares de páginas onde o crime e a sua solução andavam de mãos dadas.

Ainda que hoje, e sempre, o legado de Agatha Christie perdure como um dos mais representativos espólios da literatura do século XX, fica a sensação de um vazio. Saber que não vamos acompanhar mais aventuras de Marple e Poirot é sinónimo de angústia, de perda.

Felizmente, tudo mudou. “Os Crimes do Monograma” (Asa, 2014), escrito pela também britânica Sophie Hannah, traz de volta o universo ímpar de Christie e Poirot. Os fãs podem ficar descansados: a autora, que já foi finalista do Prémio T.S. Eliot, fez um maravilhoso trabalho enquanto herdeira do espólio da Rainha do Crime.

Neste mais recente tomo da atribulada vida de Poirot, agora a gozar da merecida reforma, o nosso belga vai ter de investigar um dos seus mais intricados e bizarros crimes. Estamos no final da década de 1920 e tudo começa quando Poirot é surpreendido por uma jovem mulher que surge no Pleasant, o seu café preferido, durante um dos seus habituais jantares de quinta-feira.

O nome da aparição feminina é Jennie Hobbs e afirma estar prestes a ser assassinada. A curiosidade e perplexidade de Poirot aumenta quando Jennie suplica para que não se investigue a sua merecida morte. Mas, tão repentinamente quanto apareceu, Jennie mistura-se na noite sem deixar rasto, algo que leva o nosso investigador a magicar com as suas “celulazinhas cinzentas”.

Simultaneamente, no luxuoso Hotel Bloxham acontecem três assassinatos e Harriet Sippel, Richard Negus e Ida Grabnsbury dão o último suspiro. Semelhante entre si, este triplo homicídio revela um perfil uno: os corpos estão direitos, os braços paralelos ao tronco e as palmas das mãos viradas para baixo. Mas a assinatura do criminoso tem o seu expoente no facto de, dentro das bocas das vítimas, terem sido colocados botões de punho com um monograma similar: PIJ.

Intrigado e empenhadíssimo em descobrir toda esta intrincada trama, Poirot junta a sua sapiência e implacável e racional metodologia à inexperiência do seu amigo Catchpool, detetive da Scotland Yard.

As dúvidas surgem a cada nova pista. Os crimes terão o mesmo autor? Será que Jennie estará relacionada com este mistério? Os dados estão lançados para mais um maravilhoso livro que vai fazer as delícias de todos os que gostam de um policial com cabeça, tronco e membros.

Sophie Hannah consegue, com distinção, “recriar” o ambiente típico de Agatha Cristhie e, através do relato de Catchpool, o leitor fica a saber todos os pormenores de uma narrativa que mistura astúcia, um excelente enredo e a sempre cativante arrogância de Hercule Poirot.

Fazendo jus à escrita de Christie, Sophie Hannah apresenta uma estória coerente e intrigante, com a acção a variar entre o rebuliço de Londres e a pacatez provinciana de Great Holling, cujos personagens rejeitam qualquer apêndice de futilidade e se revelam essenciais para a resolução de um conjunto de quebra-cabeças, que vai possibilitar desvendar o mistério de “Os Crimes do Monograma” – que não seria entendido no seu todo sem a valiosa participação de intérpretes como Margaret Ernst, Nancy Ducane, Ambrose Flowerday ou Samuel Kidd, nomes que rejeitam ficar retidos face a um eventual perfil secundário em toda a trama.

Catchpool, por exemplo, é um personagem bem construído (ainda que, por enquanto, uns furos abaixo da pertinência de Hastings) e, apesar da sua falta de confiança, assume o papel de precioso aliado de Poirot que tem, como sabemos, uma incrível capacidade de dedução graças às suas férteis “celulazinhas cinzentas”.

Também as notas de humor que povoam o texto tornam o mesmo mais interessante e acutilante, havendo espaço para uma certa sátira social que tem, no snobismo e na extrema devoção religiosa, alguns dos seus pontos de contacto, que são também sinónimo de poderosas armas que levam a um rol de execuções (por vezes) consentidas. Mas também há espaço para o assumir de culpas, erros e, acima de tudo, várias formas de redenção.

In deusmelivro

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