segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Interpol
“El Pintor”



Pinceladas de Génio

Quando os Interpol lançaram “Turn on the Black Lights”, em 2002, temas como "PDA", "NYC", "Obstacle 1" ou "Say Hello to the Angels" invadiram profundamente o perímetro auditivo dos mais atentos. No ar ficavam fragmentos de uma música inspirada num certo negrume, que tem no literalmente assombroso mundo dos Joy Division a sua maior fonte. De certa forma, nascia um novo movimento musical, uma espécie de herança melancólica sonora que juntava num mesmo barco bandas como os The National, She Wants Revenge, White Lies, Editors ou The Horrors, e que dividia a sua génese entre apontamentos que faziam a apologia da formação clássica guitarra-baixo-bateria ou momentos mais sintéticos.

Hoje, quatro anos depois do homónimo “Interpol”, a banda nova-iorquina - hoje em formato trio, depois da saída do baixista e fundador Carlos Dengler – regressa na máxima forma com “El Pintor” (o título assume a forma de um anagrama face ao nome da banda), um disco que mistura de forma extremamente competente os ambientes mais escuros do indie rock com uma languidez melódica (e algo dançável), que resulta das raízes pós-punk.

Claramente apostados em renascer das “cinzas”, os Interpol assumem-se diferentes em 2014, ou seja, mais motivados enquanto banda, mais sábios, e afastam para longe os fantasmas da eventual crise criativa que o anterior “Interpol” significou para os mais céticos. O álbum abre com “All the Rage Back Home” e os primeiros segundos, os mais contidos e contemplativos da canção, escondem, deliberadamente ou não, uma explosão que toma forma com as primeiras batidas, oriundas de uma bateria que abre o caminho para uma “fúria” sonora, que leva os Interpol de volta a momentos claramente inspirados, tal como acontecia nos seus primeiros trabalhos. Paul Banks não deixa quaisquer dúvidas ao cantar “It's all the rage back home”, frase que compõe o refrão do primeiro tema de “El Pintor” e celebra a nova missão do trio norte-americano. A seguir, sem perder o fôlego, “My Desire”, a segunda faixa do disco, mistura uma guitarra que sublinha um poema, que, por sua vez, mistura desejo com frustração, melodia com sons descarnados que se unem em prol de uma grande canção.

É certo que, depois da saída de Dengler, sentimos um certo abandono do baixo e não esperamos linhas fortes como a maravilhosa “Stella Was a Diver And She Was Always Down”, mas, ainda assim, o trabalho de Banks enquanto baixista de estúdio não deixa de ser louvável - e tal sente-se na frenética “Anywhere”, uma das composições mais orelhudas de “El Pintor”, aqui não tanto pelo que faz ouvir mas pela segurança que dá a uma bateria que se bate, sem complexos, frente à extrovertida guitarra de Daniel Kessler. Ainda assim, em momentos como “Everything is Wrong“ é mesmo o baixo a assumir as rédeas da musicalidade em vários momentos.

“El Pintor” faz-se de uma transversalidade melódica assente numa base segura e permite ligeiras oscilações de intensidade, e tal não acontece apenas em termos de instrumentos. Em “Blue Supreme”, por exemplo, Banks varia entre uma abordagem digna de um barítono até uma aproximação em falsete.

“Breaker 1” e “Same Time, New Story”, com as devidas idiossincrasias sonoras, mostram o que os Interpol querem hoje da sua música e apresentam um jogo sonoro que mistura várias camadas emotivas, entre a agitação e a acalmia, entre a luz e a escuridão, entre a certeza e uma elevada dose de insegurança. E é dessa esquizofrenia que nasce o equilibro da música, da arte dos Interpol. É também por isso que, embora não rejeitando o passado, “El Pintor” apresente peças como “Ancient Ways”, um claro aceno de despedida ao que ficou para trás, envolvido num distorcido movimento entre guitarras e bateria, fruto de um assinalável sentido de urbanidade.

Os cerca de 40 minutos de “El Pintor” passam a correr e, quando chegamos à serena e épica “Twice As Hard”, custa-nos a crer que o disco tenha chegado ao fim. Quando sentimos a distorção final do derradeiro tomo do quarto trabalho dos Interpol, queremos agarrar o som que resta, até ao último acorde, até à última palavra.

Por vezes, as alterações de alinhamento no seio de uma banda, ainda que impliquem mudanças de paradigma, são extremamente benéficas, e “El Pintor” resulta de um hiato que agora pode ser encarado como deveras positivo. Com canções como esta dezena que figura neste disco, os Interpol, vão, musicalmente, de certeza, onde querem. É difícil destacar elementos em separado, tal é o sentimento uno de um álbum que vai fazer as delícias dos mais exigentes fãs do trio nova-iorquino, mas é obrigatório afirmar que “El Pintor” é, talvez, o trabalho mais inteligente da banda de Paul Banks. A sua densidade, e por que não dizer genialidade, é a súmula entre simplicidade, entrega e talento. No fundo, “El Pintor” é uma viagem ao coração descarnado dos Interpol.

Alinhamento:

1."All the Rage Back Home"
2."My Desire"
3."Anywhere"
4."Same Town, New Story"
5."My Blue Supreme"
6."Everything Is Wrong"
7."Breaker 1"
8."Ancient Ways"
9."Tidal Wave"
10."Twice as Hard"

Classificação do Palco: 9/10

In Palco Principal

Sem comentários:

Enviar um comentário