quinta-feira, 19 de junho de 2014

“Calico Joe”
de John Grisham

A vida dentro e fora de um campo de basebol 



Um dos mais prolíferos e dedicados autores cuja escrita resvala para enredos onde a justiça e os tribunais são lugares comuns, o norte-americano John Grisham tem o condão de extravasar o referido território narrativo e, por vezes, dedica-se a contar estórias simples onde a humanidade é a sua maior influência.

Com “Calico Joe” (Bertrand Editora, 2014), Grisham conta uma comovente aventura que tem como maiores ingredientes a gloria e a desilusão que muitas vezes estão associadas aos eventos desportivos, algo que também é comum ao basebol, um dos desportos mais acarinhados nos Estados Unidos da América.

Estamos perante um livro de grande abrangência no que ao público-alvo diz respeito e podemos dizer que está na fronteira entre um romance adulto e um generoso conto juvenil, ainda que a temática que explora seja a proximidade da perda de um ente próximo mas não querido devido a um passado de abusos diversos onde uma das partes é, objetivamente, subjugada e humilhada.

Apesar do todo o dramatismo narrativo, a escrita elegante do autor de livros como “A Confissão” ou o clássico “A Firma” ultrapassa com distinção essa barreira e oferece ao leitor uma espécie de humilde lição através de uma estória que traz à tona sentimentos como o remorso e uma ténue esperança pela redenção.

Um livro para todos, “Calico Joe”, faz-nos entrar no universo complexo do basebol e, em menos de duzentas páginas, ficamos a conhecer os contornos de vidas que divergem por questões que ultrapassavam a racionalidade. Grisham começa a narrativa de uma forma direta e muito acessível (temos mesmo direito a explicações sobre as regras do jogo com algumas palavras-chave devidamente identificadas com um alusivo bold), em forma de conto de fadas, onde os personagens se movem como marionetas.

Enquanto a estória cresce, pelas páginas de “Calico Joe” são encontrados fantasmas de sentimentos vários. As emoções explodem, variam. A excitação dá lugar à compaixão, o desapontamento abraça a tragédia enquanto a compreensão e o perdão são objetivos maiores. Ao leitor fica a nobre tarefa de deixar arrebatar-se por um labirinto emocional erigido à conta de uma graciosidade em forma de escrita.

Mas vamos à narrativa. Estamos em 1973, os Cardinals defrontam os Cubs. Fate consegue arrastar Joe Castle para um excitante jogo de basebol. Castle tem uma das oportunidades da sua vida pois dois jogadores dos Cubs estão lesionados. Extremamente talentoso, Joe não desperdiça a chance e gradualmente torna-se num dos maiores heróis da América desportiva ao bater recordes atrás de recordes.
Paul Tracey, filho de Warren Tracey, um jogador dos Mets de fraca craveira, tem como maior ídolo Joe. O seu pai, invejoso, não tolera tal veneração e envolto de um espírito agressivo, numa jogada pouco casual, provoca uma lesão a Joe que vê a sua carreira terminar de forma abrupta.

Durante cerca de três décadas, Paul revive a fatídica jogada vezes sem conta e está cada vez mais consciente da intenção do seu pai em magoar o seu ídolo. Envolto de um espírito de missão, Paul quer corrigir o erro do seu progenitor, um homem que não conhece o conceito de remorso e olha para a referida lesão como um “ossos do ofício”.

Quando Paul sabe que Warren enfrenta uma doença terminal, propõe ao seu pai que faça as pazes com Joe antes da sua morte. Conseguirá um filho rejeitado durante uma vida inteira transformar um coração empedernido de um homem amargo numa pessoa que aceita reconhecer um erro? Poderá a proximidade da morte conferir uma paz interior que permita a redenção? Essa é a resposta que Grisham procura em “Calico Joe”, uma obra sobre o basebol, sobre a vida, sobre o ato de idolatrar, sobre a devoção incondicional.

In Rua de Baixo

Sem comentários:

Enviar um comentário