sexta-feira, 9 de maio de 2014

The Afghan Whigs - “To do the Beast”

O regresso do senhor Dulli



Logo nas primeiras linhas cantadas de “Parked Outside”, primeira faixa de “To do the beast”, o primeiro disco dos norte-americanos The Afghan Whigs desde 1998, Greg Dulli afirma: “If they've seen it all show them something new”.

Mas o que terão Dulli e os seus The Afghan Whigs de novo para nos oferecer? O grunge dos anos 1990 já foi chão que deu uvas, a banda apenas tem como membros originais o seu grande mentor e o baixista John Curley, e uma das maiores referências das cordas elétricas da banda, Ricky McCollum, não esteve ativamente presente nas gravações de “To do the beast”, apesar de ter participado na reunião que a banda promoveu há cerca de dois anos.

Para além disso, Dulli aproveitou o hiato criativo da sua banda de sempre para investir em projetos paralelos, como os muitíssimos interessantes Gutter Twins e Twilight Singers. Razões mais do que suficientes, portanto, para receber o sucessor de “1965” ainda com maior ansiedade.

E as primeiras impressões de “Do to the Beast” são, acreditem, muito positivas. Dulli continua um renegado com capa rock and rool, um narrador obsessivo, instável (entenda-se, neste contexto, como um fator positivo) e com instintos deliciosamente ásperos. O autor de temas como “Debonair” e “Gentlemen” (não é de forma aleatória que referimos temas do álbum “Gentlemen”, um dos melhores da década de 1990) continua a revelar tiques de um assassino que justifica os crimes com a sua paixão.

Mas não há nada melhor do que continuar em frente, de forma a honrar um passado musical que, lamentavelmente, se viu interrompido por questões diversas durante mais de década e meia. Hoje, no ano de 2014, não se pode pedir um arrojo semelhante ao que se colava a discos como, por exemplo, “Big top Halloween” e “Congregation”. Ou pode?

Empurrados pela boa imagem que causou a reunião da banda em 2012, Dulli e Curley convidaram músicos como Dave Rosser, Jon Skibic ou Mark Mcguire e atacaram “To do the Beast”. O resultado é um disco muito interessante, que junta a face mais agressiva dos The Afghan Whigs com uma sonoridade mais contemplativa e soul, que resulta da experiência do vocalista e guitarrista nos já referidos projetos Gutter Twins e Twilight Singers.

Existe como que um sentimento de montanha-russa musical ao ouvir “To do the Beast”. Temas mais agressivos, onde as guitarras afiam garras, são intercalados com momentos mais intimistas, com Greg Dulli a chegar à performance em falsete, ao som de piano. Se logo nas duas primeiras composições, “Parked Outside” e Matamoros”, o ambiente é claramente rock, com a música a serpentear entre guitarras, baixo e uma voz quente e familiar, “It Kills”, por exemplo, começa com acordes de piano, que paulatinamente vão permitindo a entrada dos restantes companheiros de luta sonora, que sabem estar e respeitar o espaço de cada qual.

Assim, em “It Kills”, Dulli presenteia os nossos ouvidos com uma variedade vocal, que vai do sussurro arranhado ao grito no já referido registo falsete, que a ambiência temporariamente acústica desta canção permite encaixar que nem uma luva. Esse sentimento mais contido e com a eletricidade trocada pela claridade acústica – interrompida aqui e ali por um solo elétrico - mantém-se em “Algiers”, uma canção que leva Dulli a aproximar-se ao mestre David Bowie.

Depois, “Lost in Woods”, um dos momentos mais dramáticos do disco, devido à cadência negra e dolente do piano, faz crescer a certeza de que, contrariamente ao que seria suposto pensar, são estes momentos menos associados à sonoridade característica dos The Afghan Whigs que tornam “To do the Beast” numa experiência muito pertinente. Essa ideia habita também no espectro de “Can Rova”, peça musical que lembra, a espaços, a atmosfera mais calma de alguns discos dos Pearl Jam, mas que tem no ADN da voz de Dulli a sua mais importante marca distintiva.

Para agitar as almas, “To do the Beast” tem momentos como a acutilante “Lottery”, uma das faixas mais viciantes deste disco, cheia de instinto radio friendly e onde as guitarras soltam amarras. Outro dos momentos altos do álbum é “Royal Cream”, uma canção que faz o exorcismo de alguns fantasmas e que conjuga como nunca a harmonia entre voz, guitarras, baixo e bateria.

Perto do final de “To do the Beast”, “I am Fire” resgata um sentimento redentor em toada contida, enquanto “These Sticks” é um curto e delicioso tour de force repleto de guitarras planantes e de uma bateria em ritmo tribal que, na companhia de alguns metais, convidam-nos a entrar num ritual “privado”, onde o mestre de cerimónia, Greg Dulli, alerta: “Tie these stakes around my heart, be here when it blows apart."

Feitas as contas, “To do the Beast”, não sendo um típico disco dos antigos The Afghan Whigs, é um delicioso exercício musical que não vai desiludir os acérrimos fãs da banda nem os mais recentes seguidores de Dulli a solo. Aquilo que podemos desejar é que não sejam precisos mais 16 anos para ouvirmos outro disco da banda natural de Ohio, pois os nossos ouvidos merecem mais novidades do senhor Dulli e seus comparsas.

Alinhamento:

1.Parked Outside
2.Matamoros
3.It Kills
4.Algiers
5.Lost in the Woods
6.The Lottery
7.Can Rova
8.Royal Cream
9.I Am Fire
10.These Sticks

Classificação do Palco: 7 / 10

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