terça-feira, 1 de abril de 2014

“O Ano em que me Apaixonei por Todas”
de Use Lahoz

O amor é um gajo estranho


 
Um ilustre desconhecido por terras lusas, o catalão Use Lahoz chega agora a Portugal com um dos livros que mais impressionaram a crítica espanhola no ano de 2013, vencendo mesmo o prestigiado Prémio Primavera de Romance.

Falamos de “O Ano em que me Apaixonei por Todas” (Topseller, 2103), o terceiro tomo da aventura literária de um licenciado em Humanidades que, durante a sua época de estudante, ousou viver entre a Europa e a América do Sul.

Entre a sua ainda breve bibliografia, Lahoz conta com obras como “Los Baldrich” e “La Estacíon Perdida” – ambos sem edição portuguesa -, sendo que logo na sua primeira publicação, “Leer del Revés”, foi alvo de excelentes críticas no Festival do Primeiro Romance na francesa Chambéry.

Em “O Ano em que me Apaixonei por Todas”, o escritor natural de Barcelona ousa fazer um livro tocante que se serve de uma linguagem romântica apimentada por deliciosos tiques de uma comédia inteligente, que reforça a ideia que na vida as coincidências são apenas meras peças do original puzzle da existência.

Divido em quatro partes – ou atos -, este livro centra-se na vida de Sylvain, um parisiense que, apesar de se aproximar a passos largos da terceira década de vida, teima em não aceitar o avançar do calendário da vida, fechando-se sobre si mesmo afastando com um simples abanar de ombros a responsabilidade da idade adulta.

Dono de virtudes várias, Sylvain encontra-se trancado sobre si mesmo sob o Síndrome de Peter Pan, recusando aliar a noção de competência à de equilíbrio no que toca ao amor. Heike, a sua antiga namorada, está longe de ser um relacionamento (ultra)passado e, de forma a não ficar muito longe dela, aceita um emprego pouco entusiasmante em Madrid.

Apesar de uma timidez emocional castradora, Sylvain decide recuperar a atenção e amor de Heike, mas a meio desse intrincado processo conhece alguém que o muda por completo e o desafia a fazer escolhas, opções. No meio deste turbilhão emotivo, Sylvain encontra acidentalmente um manuscrito que revela a fascinante história familiar do seu vizinho Metodio Fournier e, ao entrar em contacto com aquela realidade, sente que a vida – enquanto exercício relacional – pode mudar através de um somatório de coincidências.

Entre cenários que trazem à memória os peculiares universos de filmes como “O Fabuloso Destino de Amélie” ou “Amor ou Consequência”, “O Ano em que me Apaixonei por Todas” é um livro que nos conquista à medida que nos embrenhamos nas páginas, ainda que o seu início seja algo “desligado” – à semelhança da personalidade de Sylvain -, mas que ganha consistência a cada novo personagem ou cenário.

Através de um exercício consciente de uma narrativa especial, Use Lahoz consegue limar as arestas de um romance que foge da “banalidade” com uma assinalável sapiência, assentando num brilhante dinamismo com recurso a flashbacks, metáforas e atos de “voyeurismo” que se complementam entre vivências passadas e a atual cultura de nuestros hermanos.

Ainda que a paixão não seja um sentimento de fácil entendimento, este livro dá-nos uma outra perspetiva sobre essa aglutinadora sensação. E, tal como Sylvain afirma nas primeiras frases deste livro, era bom que existisse uma oficina que reparasse os desamores, que substituísse as peças do coração. Valha-nos Monsieur Tatin.

In Rua de Baixo

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