quinta-feira, 3 de abril de 2014

“Judeus Ilustres de Portugal”
de Miriam Assor

A pedra vive acima do tempo



Diz Miguel Esteves Cardoso no prefácio desta obra: «Este livro de Miriam Assor fez-me chorar e gritar de alegria muitas vezes». E é essa sensação que fica depois de ler-se “Judeus Ilustres de Portugal – 14 homens e mulheres que marcaram a História do nosso país” (A Esfera dos Livros, 2014), um livro que retrata, através de uma linguagem excelsa, o percurso ímpar de 14 vidas incomuns que se pautaram pelo amor à causa judaica, alicerçadas na sapiência, altruísmo e paixão pelo próximo.

Depois de gozarem de uma certa liberdade por terras lusas, os judeus foram alvo de aberrante perseguição após o malfadado Édito da Expulsão, prerrogativa de D. Manuel I em 1496, que obrigou os chamados cristãos-novos e os muçulmanos a sair de Portugal sobe pena de serem alvo de sevícias várias – como por exemplo a Matança da Páscoa em 1506 –, tarefas tão do agrado da “santa” Inquisição. A questão mudaria com a sensatez de Sebastião José de Carvalho e Melo, mas voltaria a tremer nos tempos de Antigo Regime.

Nascida no seio de uma família judaica ortodoxa, Miriam Assor, filha do Rabino Abraham Assor – uma das personalidades com destaque neste livro –, sente a vida mudar depois de uma visita a alguns campos de “trabalho” nazis. Troca o curso de Psicologia Aplicada pelo amor ao voluntariado e aventura-se pelos kibbutz israelitas. No regresso a Portugal, estuda Comunicação mas opta por deixar o canudo de lado e ingressa na companhia aérea El Al durante cerca de uma década.

Por entre pontes aéreas, Miriam Assor publica um livro de poemas (“Libi”), ficando o bichinho da escrita numa mente que apenas descansaria quando as letras fossem a sua vida. Foi depois cronista em o “O Independente”, assumiu o cargo de comissária de eventos culturais e manteve uma atividade literária assídua publicando crónicas, biografias. Agora chega-nos “Judeus Ilustres de Portugal – 14 homens e mulheres que marcaram a História do nosso país”.

Ao longo de doze capítulos, Assor apresenta-nos homens e mulheres que simbolizam valores como a coragem, a perseverança e uma vontade maior que a vida de abraçar a sua religião. Para isso tiveram de sair de Portugal, definitivamente ou não, de forma a preservar uma memória, um povo, uma religião ameaçada pela ignorância alheia. Relegaram a conversão e contribuíram de forma inequívoca para o desenvolvimento de áreas como a ciência, a matemática, o humanismo e a cultura nacionais.

Desde o exílio tolerante de Isaac Aboab da Fonseca em terras holandesas, o humanismo universalista de Sam Levy, a coragem dos irmãos Sequerra, a comovente emancipação da “Senhora” Dona Grácia Naci, até ao lirismo de Alain Oulman, bem como outras histórias e protagonistas, este livro presta homenagem a vidas que mudam a própria vida, experiências maiores do que aquilo que os livros registam, gente convicta da possibilidade de tornar o mundo num local melhor.

De forma apaixonada e, podemos mesmo afirmar, comovente, Miriam Assor é protagonista de um dos mais interessante e recomendáveis livros sobre a diáspora de um povo que, incompreensivelmente, foi sendo vítima de intransigência cultural e religiosa ao longo dos séculos. Ao folhear, ler e ver, estas páginas ficamos com o melhor de gente de corpo e alma, de passado, presente e futuro, de homens e mulheres que se afirmam por algo que apenas assiste aos prescritos. A eles dizemos muito obrigado.

In Rua de Baixo

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