sexta-feira, 25 de abril de 2014

“Capitãs de Abril”
de Ana Sofia Fonseca

A revolução no feminino



Dina, Ana, Natércia, Teresa, Gabriela, Aura, Custódia, Celeste, Isabel. Os nomes, comuns, pouco dizem mas, se associados aos apelidos, ganhos através do matrimónio, assumem-se particularmente familiares.
De Otelo, Dina ganhou o Carvalho, Natércia passou a Salgueiro Maia, Aura acrescentou Costa Martins à sua graça, Gabriela passou a escrever Melo Antunes no final da sua assinatura, enquanto, entre outros exemplos, Teresa recebeu de Vítor o apelido Alves.

Diretamente ou através das coisas do destino, estas mulheres viveram o 25 de abril de 1974 de um lado particular da barricada. Através da sua dedicação, amor e companheirismo foram as traves mestras dos capitães que ousaram rebelar-se contra um regime que teimava em manter-se vertical mesmo depois de cair da cadeira.

Com “Capitãs de Abril” (A Esfera dos Livros, 2014) a jornalista Ana Sofia Fonseca regressa a um tema que havia explorado há cerca de uma década, quando trabalhava na entretanto extinta revista Grande Reportagem. O objetivo era dar voz a quem agiu na sombra, por solidariedade e paixão, num dos acontecimentos mais marcantes da história de Portugal. Este livro, em forma de reportagem, garante uma abordagem mais intrincada e a fundo das horas que antecederam e precederam a revolução dos cravos.

Com um percurso bastante pertinente no jornalismo em Portugal, tendo trabalhado em jornais de referência como o Público, Diário Económico e o Expresso, em revistas como a já referida Grande Reportagem e a Sábado, Ana Sofia Fonseca é hoje colaboradora da SIC e, em formato livro, já conta com títulos como “Angola, Terra Prometida”, “Barca Velha – Histórias de um vinho” ou o romance “Como Carne em Pedra Quente”.

No formato televisivo revela mestria no estilo reportagem, talento que já lhe valeu alguns galardões em Portugal e fora de portas, dos quais destacamos o prémio Gazeta assim como o troféu Direitos Humanos e Integração da UNESCO.

É também em ritmo de reportagem, através de uma escrita dinâmica e cativante, que “Capitãs de Abril” se revela um livro muitíssimo recomendável. Fruto de um trabalho de pesquisa incansável, Ana Sofia Fonseca relata-nos os momentos mais quentes do 25 de Abril de 1974 sob a perspetiva feminina, das companheiras dos militares que mudaram Portugal.

As últimas conversas entre esposas e capitães, os nervos e os medos do desconhecido, do que estava para chegar, a madrugada de ansiedade, a manhã de incerteza, as músicas na rádio, a vitória de um povo. Tudo isto se encontra deliciosamente retratado neste livro que faz uma contextualização de um Portugal ensimesmado, preso a um Estado desgastado.

Ao longo das páginas de “Capitãs de Abril”, Ana Sofia Fonseca enriqueceu a sua narrativa com imagens que resultam da pesquisa nos jornais da época, assim como da contribuição das protagonistas que gentilmente forneceram imagens do seu arquivo pessoal, das quais destacamos, por exemplo, o original do manifesto do “Movimento, as Forças Armadas e a Nação”, batido à máquina por Ana Coucello.

Tendo como base a coragem inata às mulheres que dão cara e alma a este autêntico tesouro em forma de reportagem, Ana Sofia Fonseca conseguiu um dos livros mais acutilantes sobre a revolução que por estes dias atinge os 40 anos, assumindo-se como um documento essencial no que toca à história recente de Portugal, pois a memória é o maior dos alentos da vida pessoal e coletiva de um país.

In Rua de Baixo

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