quinta-feira, 6 de março de 2014

Guta Naki - "Perto Como"

No hemisfério certo



Corria o ano de 2010 quando ouvimos pela primeira vez os Guta Naki. Fruto de um esporádico zapping na tv, quis o destino que os ouvidos de quem agora vos escreve tivessem sentido um arrepio singular ao escutar “Um Novo Mundo”. O projeto português passou, então, a despertar grande curiosidade. A investigação pós-descoberta revelaria que a banda alfacinha havia vencido o Restrat Resound Fest, evento que também já consagrou bandas como os Pontos Negros.

O disco de estreia de Cátia Pereira, Dinis Pires e Nuno Palma reunia uma coleção de excelentes temas, que emanavam um pop melódico, melancólico, que combinava na perfeição tiques elétricos e eletrónicos. A música, quente, hipnótica e algo claustrofóbica encontrava um aliado de ouro na prestação dedicada, por vezes ternurenta, outras vezes lânguida, do espectro vocal de Cátia Pereira. A simbiose entre música e voz resultava na perfeição através de “uma língua sem identidade”.

Passados quatro anos desde a edição do homónimo “Guta Naki”, chega, finalmente, o seu muito aguardado sucessor. “Perto Como”, uma edição Meiofumado, traz mais um punhado de excelentes canções repletas do sentido único que caracteriza a música do trio, assente na relevância e acutilância da voz e dos instrumentos, da palavra e do som. “Perto Como” apresenta um trio mais orgânico, ao qual a guitarra, agora empunhada por Cátia, não é alheia. A atmosfera geral mistura desejo e ingenuidade, uma poesia “literária” e complexa, e a hipnose sonora acontece passados poucos segundos do contacto entre a música e os sentidos de quem a ouve.

Antes do “disco”, os Guta Naki tiverem a gentileza de mostrar o seu novo reportório em registo ao vivo, via internet, no final de janeiro. Para os mais distraídos, o mesmo ainda pode ser visto na página oficial da banda.

No que toca ao segundo longa duração dos Guta Naki, o mesmo observa algumas diferenças face ao disco de estreia do trio lisboeta. No todo, “Perto Como” está mais ensimesmado, experimental e até mesmo mais sensual. À exceção de “Ana”, peça musical cuja letra resulta da adaptação de um poema da escritora Maria Gabriela Llanson, toda a poesia do disco é da responsabilidade de Cátia Pereira que, para além de possuir uma das vozes nacionais mais quentes, revela uma interessante veia poética.

O novo álbum dos Guta Naki começa com uma curta introdução naif, de toada primaveril, onde o riso de “Ikari” serve de ponte para a maravilhosa “Ainda Não Sei”, um exercício dolente onde cordas, elétricas, e elementos eletrónicos coabitam livremente num universo sem rede, que tem numa voz apetecível um excelente porto de abrigo. Ainda que esta canção avance com algumas dúvidas, existenciais ou não, os Guta Naki estão no hemisfério certo.

“Onde Ela Mora” inicia sobre um labirinto, que se desenvolve, aos poucos, numa das canções mais orelhudas do disco. A batida de toada ligeiramente “tropical” serve de uma base, que tem num acorde omnipresente outra ponte de referência. As canções dos Guta Naki têm uma capacidade inata de crescimento e tal característica está bem patente nesta faixa. Já “O Meu Amor é Índio (Pavane para o Moço Morto)” faz brilhar o baixo de Dinis Pires, cujo som procura companhia, a espaços, nas súplicas de uma guitarra sonhadora que, por momentos, se transfigura através de uma alma mais groove.

O disco avança com a bonita “TuNunca”, uma canção que faz sobressair a voz de Cátia que, aos poucos, é envolvida delicadamente por toques suaves de sons oriundos de vários quadrantes. Depois do ritmo mais “baladeiro” de “TuNunca”, chega a vez de “Ana”, um exercício musical espartano que apenas sublinha o espaço dedicado à voz. O som respeita o silêncio e Cátia sussurra para dentro de nós.

“A Terra de Ninguém” faz regressar a guitarra, que traz por companheira a esporádica eletrónica suave e doce. Sem grandes artifícios, os Guta Naki transformam uma canção de “simples” arquitetura em momentos de beleza, acompanhada por um português cheio de açúcar. O final em quebranto eleva as doses de um contido mas muito bem-vindo dramatismo.

O registo segue com a labiríntica “O Homem que Dança”, uma canção descaradamente pop e deveras libidinosa, que traz à baila algumas palavras em inglês. Se sentir o corpo a balançar, ainda que de forma tímida, não estranhe e deixe-se entranhar.
O ambiente electro-noise de “Todas as Tuas Memórias” capta de imediato a audição, quer pela “estranheza”, quer pelo sentido (ar)rítmico. Devagar, devagarinho, somos conquistados por um estado letárgico, quebrado aqui, na parte final da canção, por uma intervenção mais presente dos instrumentos. Ao contrário do que canta Cátia, deixemo-nos ir...

Para o final do disco, os Guta Naki reservam “Zeferino” e “Acreditava no Nada”. Se, no primeiro caso, o pop/rock descarnado serve de palco para um canto desencantado, já a derradeira canção do disco, “Acreditava no Nada”, traz de regresso momentos nostálgicos, melancólicos e doces, que misturam acordes de guitarra e uns laivos de piano com uma batida arrastada, que adivinham um sonho que está para vir. Sem dúvida, uma excelente forma de terminar um disco aprazível e reconfortante.

Ainda que não de uma forma tão imediata como o que acontecia no primeiro disco da banda, “Perto Como” é um registo que cativa, que merece atenção e que precisa de ser explorado, pois cresce a cada audição. Sem pressas, os Guta Naki, fazem um disco inteligente, que tem, indiscutivelmente, na simbiose entre voz e som um dos seus maiores atributos e qualidades.

Classificação do Palco: 7/10

Alinhamento:
01.Ikari
02.Ainda não Sei
03.Onde Ela Mora
04.Meu Amor é Índio (Pavane para um Moço Morto)
05.TuNunca
06.Ana
07.Terra de Ninguém
08.O Homem que Dança
09.Todas as Tuas Memórias
10.Zeferino
11.Acreditava no Nada

In Palco Principal

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