terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

“Tempo para Falar”
de Helen Lewis

A perigosa dança entre a vida e a morte



Holocausto. Só a palavra assusta, faz lembrar o terror, o medo, a perda da razão, a desumanidade, a terrível verdade vivida por uma minoria. Aconteceu há apenas algumas décadas mas, a cada relato, a cada experiência vivida e transmitida nos perguntamos: Porquê?

Muitos livros já foram escritos sobre as provações que passaram judeus durante a Segunda Grande Guerra, mas cada novo livro sobre o tema revela outros ângulos de um sofrimento que, incompreensivelmente, alguns tentam ignorar e até negar.

Escritores como Primo Levi e Imré Kertész são porta-vozes da degradação e humilhação que os judeus passaram, desde a sua expropriação da condição de seres humanos até aos tormentos sofridos nos “campos de trabalho”, como Auschwitz ou Sobibor, mas entretanto figuras “anónimas” ganharam coragem para partilhar as experiências sobre o terrorismo psicológico e físico praticado pelos nacionais socialistas do III Reich.

Helen Lewis, uma checa que um dia desafiou a família ao candidatar-se ao curso de bailarina na Escola de Dança de Milca Mayerova, é uma dessas vozes. Viu a vida interrompida pela invasão Nazi e, quase sem entender como, viu-se com uma estrela amarela cozida na manga do casaco e deportada para o campo de concentração de Terezín, a cerca de 60 quilómetros de Praga. O seu “crime”: ser judia. O seu “julgamento”: deportações que iniciam com reuniões de embarque semelhantes a imagens do Antigo Testamento. A sua “pena”: a solidão e o sofrimento.

Em “Tempo para Falar” (Editorial Planeta, 2013), Helen Lewis relata a sua experiência enquanto cativa das SS mas, ao contrário de muitos livros sobre este – infelizmente – inesgotável tema, fá-lo com um estilo limpo, factual e humano que, sem nunca esquecer o pesadelo, revela um relato onde se encontram ecos de humanidade quando tal parecia há muito perdido.

Nas palavras de Lewis não se vislumbram traços rancor ou auto comiseração, mas sim uma vontade de tentar “reviver” o inimaginável através de uma desarmante e cativante lucidez e honestidade. Esqueçam noções como “justiça” ou “decência” mas esperem um excelente livro.

Nas páginas de “Tempo para Falar” fala-se de algumas ações inesperadas entre pares, réstias de humanidade através da simpatia de um oficial alemão, seja ele um “fantasma” bondoso ou um ex-professor que era obrigado a disfarçar a sua solidariedade sob risco de perder a vida por estar em contacto com “seres inferiores”. Relatam-se experiências limite com kapos ou durante uma selektion que pode ser considerada um sucesso com alguma felicidade ou com a astúcia de um passo para o lado.

Depois de deixar de se ser uma pessoa e existir com um “BA 677” tatuado, tudo pode acontecer. E, nessa altura, o instinto de sobrevivência desperta. Uma ligeira inclinação da concha da sopa pode ser a diferença entre a vida de a morte, a doença assume-se como uma salvação temporária e uma paixão de vida – no caso de Helen a dança – pode ser sinónimo de mais horas, dias, semanas, de vida ou algo parecido com isso.

Ao folhear este livro passa pelo leitor uma estranha sensação de “conforto” por não entender o tipo de provações registadas em “Tempo para Falar”, e tal incomoda pois a todos parece impossível admitir que tudo aquilo aconteceu num Mundo dito moderno e evoluído.

Um livro aconselhado a todos, “Tempo para Falar” é uma obra que não deixa ninguém indiferente e demonstra a extraordinária coragem e força interior do ser humano perante situações limite. Não se trata de ficção: é real, é histórico, é horrível. Mas, graças a magníficas pessoas como Helen Lewis que honram a palavra humanidade, vamos esperar que a História não se repita. A bem de todos.

In Rua de Baixo

Sem comentários:

Enviar um comentário