sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

“A rainha dos sipaios”
de Catherine Clément

A fascinante história da Joana d’Arc indiana



No dia do seu nascimento, o astrólogo da família decreta que a pequena Manikarnika será rainha. Pertencente à casta dos brâmanes maratas, a escolhida terá como futuro marido alguém deveras incomum entre os seus. Como os astros não mentem, anos mais tarde, outro perito da adivinhação estelar e especialista na arte da astúcia concretiza aquilo que o destino ditou e propõe a Moropant, o pai da jovem: a união da sua filha com o viúvo marajá de Jhansi, conhecido pelos seus tiques “maneiristas”.

Forçada ao seu fado, Manikarnika torna-se companheira do marajá e muda, definitivamente, a sua graça para Chabili, a Adorada, nome de guerra que nasceu do relacionamento da jovem “arrapazada” com os filhos do Peshwa Baji Rao.

Os primeiros momentos de cumplicidade entre os noivos são estranhos e Chabili encontra, na figura de Gangadar Rao, um homem psicologicamente falido, dono de uma tosse persistente e que tem por hábito fantasiar-se de mulher. Pragmática, a nova rainha consegue conquistar a confiança do seu marido e, aos poucos, arranca do monarca laivos de liberdade vedados ao espetro feminino, ao mesmo tempo que arrebata o coração dos locais.

Mas, numa época em que a Índia estava à merce do império Britânico, os problemas surgiam de vários quadrantes, centrando a sua génese na Companhia das Índias Orientais. Os “John Company”, tal como eram conhecidos os ingleses que tomavam a Índia como sua, faziam crescer a indignação e a ira entre os sipaios, soldados indígenas de derme escura que ousaram revoltar-se contra humilhações várias, rajás destronados e explorações diversas.

Na liderança e pensamento dos revoltosos estava a imagem da rainha de Jhansi, a jovem Chabili que desposara o controverso Gangadar Rao e, tomando como suas as rédeas do seu corcel, desafiou o inimigo debaixo de vestes masculinas, uma espada na mão e um colar de pérolas ao pescoço, instigando assim o movimento que se denominou por “revolta dos sipaios” e que rasgou o coração da Índia do século XIX, vítima de “deserdações” e doutrinas como a de Dalhousie.

É e essa história apaixonada e apaixonante que a filósofa e romancista francesa Catherine Clément conta em “A rainha dos sipaios” (Porto Editora, 2014), um notável romance histórico, narrado através de deliciosas aventuras épicas que originaram uma série de pressupostos que desencadearam num conflito pela independência de um território que, durante anos, viveu a ferro e fogo, tendo nas vozes de Karl Marx e Friedrich Engels o mais fiel espelho dos acontecimentos através dos seus relatos jornalísticos.

Notoriamente fascinada pelo personagem de Chabili, Clément faz um brilhante retrato de uma mulher magnífica, integra, obstinada e inteligente que lutou com todas as suas forças por uma Índia diferente, tornando-se numa heroína com direito a canções que ainda hoje são ensinadas às crianças indianas.

Desde a sua infância até à precoce morte, a menina-mulher guerreira adorada apossou-se de várias e corajosas vestes, assumindo-se como uma espécie de Joana d’Arc indiana, líder de um exército de autênticas amazonas que tinha como fim devolver a integridade e orgulho a um povo subjugado pelo invasor colonizador.

In Rua de Baixo

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