segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

THE YOUNG GODS @ TMN AO VIVO

REVIVER O PASSADO EM PORTUGAL




É preciso recuar até maio de 1990 para encontrar o primeiro concerto dado em terras lusas pelos suíços The Young Gods, trio que pratica um som pós-industrial assente na interação entre voz, bateria e um sampler capaz de encerrar dezenas de guitarras ou fragmentos clássicos envoltos de pitadas apocalípticas.

Esse espetáculo, que teve o entretanto desaparecido Cinema Alvalade como epicentro, vinha no seguimento da digressão que resultou da edição do segundo álbum da banda de Franz Treichler e contou com um alinhamento maioritariamente preenchido por “The Young Gods” e “L’Eau Rouge”, com a exceção de “Dame Chance”, a faixa que encerrou o concerto de maio de 1990 e que integraria “T.V. Sky”, disco de 1992.

Como que envolto de uma sensação de déjà vu, o concerto de sexta-feira à noite no TMN ao Vivo voltou a ter os dois primeiros trabalhos da banda no cardápio, mas desta vez não houve espaço para temas compostos depois de “L’Eau Rouge”. Como uma forma de tributo aos fãs de longa data, os The Young Gods baseiam a atual digressão numa saborosa viagem ao passado, apimentada com o regresso de Cesare Pizzi ao sampler, algo que não acontecia há perto de duas décadas.

E era, sem dúvida, a “velha guarda” que lotava quase por completo a sala do TMN ao Vivo e, por entre conversas e abraços, recordava antigos concertos dos suíços em Portugal, sendo que a já referida presença no Cinema Alvalade era, a par do concerto dado na Voz do Operário, em 1992, a passagem mais saudada.

Após a saída de palco dos Tape Junk – dos quais falaremos umas linhas mais abaixo – a agitação em palco era muita e trabalhava-se em prol da atuação do trio suíço. A bateria ocupava a posição mais recuada enquanto a maquinaria de Pizzi reservava o lado direito do palco. Ao centro, o micro de Franz sentia a solidão temporária do seu dono e mentor, mas tinha por companhia o habitual holofote que apontava para o céu. O público, maioritariamente trajado de negro, ainda que salpicado por nuances rubras, esperava pela entrada da banda, que pisaria um palco envolto de um nevoeiro artificial. Aqui e ali ouviam-se tímidos sons de chamamento, em forma de assobio. No PA tocavam os The Smiths e, perto do seu final, “There is a Light That Never Goes Out” era interrompida para a entrada dos “jovens deuses”.

Apenas ainda com Franz e Cesare em palco, sentem-se os primeiros sons de “C.S.C.L.D.F”, faixa que encerra o álbum debutante dos The Young Gods e que na noite memorável da última sexta-feira iniciou os cerca de 90 minutos de grande música, emoção, potência e magia. Enquanto Pizzi manobrava a sua máquina de forma a conferir um ambiente de assinalável negrume e tensão envoltos numa tempestade metálica, a voz cavernosa de Treichler enchia essa melodia de forma segura e ímpar. As palmas conseguidas no final do tema serviram de antecâmara para a entrada de Bernard Trotin para a bateria e “Jouqu’au Bout” encheu a sala de um semblante marcial.

Ainda a explorar o filão “The Young Gods”, ao terceiro tema o público é brindado com a emblemática “Fais la Mouette”, que na sua génese liberta uma nova luz sobre uma plateia deliciada e completamente entregue às descargas sonoras de Pizzi, acompanhado pelo groove de Trotin. No centro do palco, Treichler ensaia o voo da gaivota e evoca fantasmas e espíritos através de uma desconcertante coreografia acompanhada pela constante alternância entre o sussurro e o grito. “The Irrtum Boys” continua a prestação segura e por vezes “sôfrega” do trio, sublinhada pelos disparos de “canhão” que saíam da bateria.

Com alguns agradecimentos poliglotas pelo meio, chega a vez de Franz apresentar a velocíssima “Jimmy”, que fez saltar todos os presentes. Os The Young Gods estão num grande momento de forma e a voz de Treichler continua entrelaçada com um poderoso misticismo que, a par do excelente som que se sentia no TMN ao Vivo, tornava a noite num episódio de industrial perfeição. E sem qualquer assombro de tréguas, “A Ciel Ouvert” adensa a escuridão e faz com que a sombra musical saída das mentes dos três suíços que ocupavam o palco se transforme num momento enigmático.

Palmas, assobios, devoção. Eis algumas palavras que retratavam o ambiente que agora adquiria tonalidades avermelhadas, pois estávamos prestes a sentir a primeira canção retirada de “L’Eau Rouge”. Franz Treichler ataca as primeiras frases desta “chanson rouge” enquanto a bateria, agora suave, de Trotin aguarda a chegada das “guitarras” libertadas pelo sampler de Pizzi. E como era a saudade um dos maiores sentimentos vividos na sala, “Did You Miss Me” regressa ao trabalho debutante da banda através de um registo hipnótico e minimal, sublinhado com uma das maiores ovações da noite.

Visivelmente sorridente e emocionado, Franz vence as palmas ao anunciar “Percussionne”, que nos primeiros momentos não contou com a presença do baterista, que se havia rendido à sinfonia caótica resultante dos dedos de Pizzi, que, ainda assim, reclamava pelas batidas assimétricas de Trotin, que surgiriam a meio da prestação. Treichler aproveita a ocasião e encarna a pele de um verdadeiro xamã e vivem-se alguns dos minutos mais intensos da noite.

“Crier les Chiens” e “Pas Mal” fazem regressar mais eletricidade ao placo e presta-se a devida vassalagem a “L’Eau Rouge”, para muitos o mais emblemático disco da banda. “L’Amourir” continua a doce exploração do álbum de 1989 e a atmosfera é envolvida por um ambiente perturbador, que tem nas batidas de Trotin o seu maior filão. Testa-se o limite do audível e ousa-se passar a fronteira do humanamente suportável. O público reage com uma intensa chuva de palmas. Antes da primeira saída de palco, “Si tu Gardes” faz regressar tonalidades marciais, sentindo-se uma simbiose particular na articulação entre instrumentos orgânicos, sintéticos e voz.

A ausência do palco revelou-se curta e, antes do trio atacar mais algumas peças musicais, Franz Treichler falou no porquê desta nova digressão, realçando a importância dos primeiros discos da banda, e agradeceu a todos os presentes num português muito aceitável. Depois, “Feu”, já a seguir da meia-noite, e, principalmente, a rapidíssima “Envoyé!” provocavam momentos de grande agitação na plateia. Franz dançava de forma frenética e contagiava os presentes. A cumplicidade entre público e banda, que trocavam mimos entre si nas primeiras filas, evitou a precoce saída de palco do trio, que atacou de imediato uma magnífica prestação de “La Fille de la Mort”, uma das composições maiores da banda e que é sinónimo de síntese da magistral forma como os The Young Gods fazem a sua ímpar arte. Era o ocaso do um excelente concerto, que bem pode figurar entre os melhores momentos proporcionados pela banda suíça em Portugal.

Antes da prestação dos The Young Gods, o palco esteve entregue aos portugueses Tape Junk, que editaram recentemente “The Good & the Mean”, o primeiro álbum da banda de João Correia, que também empresta a sua voz aos Julie & the Carjackers e ajuda na bateria de Márcia, Frankie Chávez e Walter Benjamin.

Durante cerca de meia hora, os Tape Junk deram um muito interessante concerto, no qual as letras diretas e pessoais de Correia têm como importante aliado um som que navega entre influências country e um certo indie rock norte-americano, que tem nos Pavement e Beck as maiores referências. Acompanhado por Nuno Lucas no baixo, António Vasconcelos na bateria e Chávez na guitarra, João Correia serviu-se do microfone e da sua guitarra semi-acústica para atacar canções como “99 Year Blues”, “The Good & the Mean”, “No Romance Without Finance” ou “Buzz”.

Todos os instrumentos brilham e sabem ocupar os múltiplos espaços deixados pelos companheiros de som e a música dos Tape Junk ao vivo é mais “agressiva” do que no registo de estúdio. Por entre os diálogos das guitarras, alguns momentos de feedback, o sublinhar do baixo e o forte ritmo da bateria, a música dos Tape Junk é muitíssimo agradável ao ouvido e aguardam-se espetáculos da banda em nome próprio, para que o quarteto possa explanar ainda mais a sua mestria. Altamente recomendável!

In Palco Principal

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