quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Zola Jesus
“Versions”

Canções descarnadas repletas de alma



Natural de Phoenix, Estados Unidos, Nika Roza Danilova é conhecida no mundo da música por Zola Jesus e é dona de uma das mais enigmáticas e interessantes vozes contemporâneas navegando por correntes sonoras que fazem uma fusão entre a electrónica, o gótico e o industrial com alguns salpicos de um certo experimentalismo noise.

Estudante de filosofia e fã confessa da corrente Situacionista, Jesus deu o primeiro passo na sua curta mas prolífera carreira em 2009 ao lançar o álbum “The Spoils” e desde aí tem por hábito dividir a sua atenção entre longas-durações e EP’s. Em todos os seus trabalhos Zola Jesus procura explorar uma visão experimental e vanguardista movendo-se do centro de um qualquer núcleo até às fronteiras do mesmo.

E são esses limites que a norte-americana explora e tenta extravasar a cada trabalho. Sejam envoltos de noções de ruptura ou continuidade, os discos de Zola Jesus ousam misturar conceitos díspares e a cantora já tem referido um variado leque de influências que vão de Kate Bush aos Joy Division, passando por Dead Can Dance e Cocteau Twins.

Dois anos depois de lançar “Conatus”, trabalho que foi sinónimo de excelentes críticas por parte do universo musical, Zola Jesus regressa com “Versions”, um disco que surge no seguimento da performance que a cantora realizou no museu Guggenheim de Nova Iorque e que contou com a colaboração de JG Thirwell, um dos mais arrojados e vanguardistas compositores contemporâneos.

O resultado é um disco repleto de canções descarnadas, nuas de preconceitos e grandes arranjos, mas directas ao coração e que têm como alicerces instrumentos clássicos como violinos e violoncelos que explanam o seu som na companhia de alguns elementos de cariz synth e electrónico. No fundo, Zola Jesus pega nos conceitos explorados nos seus registos anteriores e transfigura os mesmos de forma fragmentada e deliciosamente simples.

O somatório entre a irreverência de Danilova e a visão ampla de Thirlwell resulta numa colecção de temas que são apresentados sem artifícios mas envoltos de uma elevada tensão emocional para a qual a fantástica voz de Zola dá um decisivo contributo. As características singulares do Mivos Quartet – colectivo composto por três violinistas e um violoncelista – que acompanha Thirwell e Zola – conferem a ambiência certa e, tendo por base algumas das canções presentes em “Stridulum II” e “Conatus”, chegamos ao cerne de “Versions”.

Longe vão as complexas camadas sonoras dos registos originais e são agora exploradas novas vias que permitem que a voz ganhe outra relevância e acerto. Logo no início do disco, «Avalanche (Slow)» revela uma fragilidade inata no corpo vocal de Zola e em conjunto com «Fall Back», a segunda faixa de “Versions”, colocam o ouvinte num verdadeiro estado de urgência auditiva envolto no intrincado jogo entre cordas e pinceladas sintéticas.

Vamos mesmo mais longe, porque a música permite e aconselha. A sobriedade e tensão de faixas como «Fall Back» resultam num crescendo épico e fazem notar a cumplicidade entre vocalista, compositor e instrumentistas, entre forma e conteúdo, premissas que possibilitam a perfeita assimilação entre estádios pop e sensibilidades erigidas à custa da experimental vontade de um violino. Outro exemplo desse desarmante estado de graça é «Hikikomori», uma das mais excitantes canções de “Conatus”.

«Run me Out», e especialmente «Seekir», contam mais acerrimamente com a exploração da capacidade vocal de Danilova aqui dissecada em diversas camadas que se refugiam na fusão entre contextos díspares para sentir a procurada coerência que se encontra num eco de fantasmagórica produção.

Até mesmo as mais consistentes composições de Zola Jesus encontram no contacto com a veia empática de Thirlwell e camaradas novos focos de interesse. Como exemplo desse crescimento recomendamos a audição de «Night» ou «Sea Talk», faixas que se envolvem de uma “humanidade” para si desconhecida até agora.

É essa no fundo uma da mais significativas mais-valias de “Versions”, a emancipação das criações originais de Zola Jesus. Se «Collapse», por exemplo, remete para uma acalmia ausente em “Conatus”, já a visão arabesca de «Vessel» torna a própria canção num reflexo obscuro da sua edição original.

São estes alguns dos pressupostos que tornam “Versions” um dos trabalhos mais ricos e importantes da carreira de Zola Jesus. Mais que uma nova mistura, este disco revela a reencarnação musical das composições inicialmente lançadas e mostram que a colaboração entre universos distantes podem dar origem a uma paisagem que mistura talento e espontaneidade.

In Rua de Baixo

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