quinta-feira, 28 de novembro de 2013

THESE NEW PURITANS @ TMN AO VIVO

O LADO OBSCURO DA LUA




Com um considerável culto por terras nacionais e em ano de lançamento do seu terceiro disco de originais, o complexo e de toadas mais clássicas “Field of Reeds”, o agora trio These New Puritans regressou a Portugal e deu um brilhante concerto na aconchegante sala ribeirinha do TMN ao Vivo, que apenas pecou pela escassez de público.

A transformação sonora que a banda dos gémeos Jack e George Barnett e Thomas Hein tem vindo a registar desde do mais punky “Beat Pyramid” revela a constante espiral evolutiva que os britânicos fazem questão de ser sinónimo da sua música. Hoje, num registo onde a presença de instrumentos como uma trompa ou uma trompete confere uma maior solenidade ao seu ambiente, os britânicos These New Puritans têm em “Field of Reeds” uma majoração do seu talento enquanto intérpretes de uma arte que parece sedeada algures num satélite lunar que mistura eletrónica, um certo revivalismo punk e laivos de um neoclassicismo abrasivo.

Ao longo de mais de uma hora, as dezenas de espetadores que se deslocaram até à sala perto do Cais do Sodré vibraram com um alinhamento que teve por base o mais recente disco de originais da banda, que também recorreu a algumas faixas do brilhante “Hidden” para dar outras tonalidades à sua atuação. Curiosamente, ou talvez não, “Beat Pyramid” não marcou presença na noite de ontem.

Os primeiros sons que chegavam do palco, ainda sem todos os elementos da banda presentes, tinham como companheiras ténues luzes brancas que serviam de farol para o mecânico rugir de motores automóveis que aceleravam, a espaços, numa imaginária via rápida. De branca para roxa, a tonalidade sobre o palco era alvo de uma metamorfose que servia de entrada para um labirinto sonoro sinistro, apenas quebrado pelos acordes que saíam do baixo de Jack Barnett, que anunciavam assim “Spiral”, uma das mais densas composições de “Field of Reeds”.

Para além do formato trio, os These New Puritans contam com a companhia da doce e etérea voz da portuguesa Elisa Rodrigues, que lança uma espécie de feitiço sobre a música da banda e, ao entrelaçar-se com o espetro vocal de Jack, inicia um competente diálogo que, em conjunto com clarinete, trompete e piano, dá origem a um melódico e controlado caos sonoro, sublinhado pela eletrónica que resulta dos samples de Hein e dos loops de George.

A solenidade e jogos musicais proporcionados entre a pujante bateria, baixo e samples servem de apresentação a “Fragment Two”, um dos momentos mais saudados pelo público. O silêncio também marca a sua presença e cola sons ao quebrar fronteiras entre “extremos” orgânicos e maquinais. Ao vivo, as composições mais contidas de “Field of Reeds” crescem e a ensimesmada e jazzy “The Light in your Name” parece saída de um conto de fadas assombrado e enche a sala de uma bela melodia noturna que incendeia o jogo vocal entre Elisa e Jack. Piano e bateria engrandecem o negrume e teme-se a presença de Nosferatu na sala.

O primeiro recurso a “Hidden” chegou através da curta “Three Thousand” e, durante cerca de três minutos, a bateria pauta o ambiente e a voz de Jack assinala de forma sublime o ambiente marcial que ecoa na sala. Sons de vidro a quebrar tornam a performance mais teatral e punk. Os momentos seguintes têm o disco de 2010 como origem e o arábico “Attack Music” faz abanar as almas presentes, que se deixam embalar pelo sedutor hipnotismo maquinal que sai do palco. A eletrónica libertada por Hein encontra um porto de abrigo nas vozes de Elisa e Jack, que são abraçadas pela intervenção compassada da bateria.

Aos primeiros acordes da muito solicitada “We Want War”, a sala vibra de forma intensa. Naquele que é um dos exercícios que mais bem define o ADN dos These New Puritans, a faixa retirada de “Hidden” reflete o quebrante musical da banda e permite estabelecer o submundo sonoro habitado pelo trio britânico, que muitas vezes fixa raízes na interpretação minimal de uma escuridão urgente. As várias camadas sonoras de “We Want War” e a entrega dos músicos em palco resultam na maior ovação da noite.

Jack solta um “obrigado” e o concerto prossegue com “Organ Eternal”, mais outra peça de “Field of Reeds” que, aos primeiros acordes, encontra resposta nas palmas do público. Às primeiras notas saídas das teclas eletrónicas do órgão, George alheia-se da bateria e entrega-se aos loops que são ocasionalmente interrompidos pelos uivos samplados por Thomas Hein. Jack canta de forma sussurrada e a ténue cadência vocal é intencionalmente assaltada pelos outros elementos orgânicos em palco.

Esta magia sincopada encontra seguimento em “Field of Reeds”, faixa que dá o nome ao mais recente álbum da banda e que se movimenta entre momentos de puro e tranquilo deleite. Sem o baixo, Jack Barnett assume o microfone por completo e, por momentos, sentimos que estamos a caminhar numa qualquer floresta encantada onde fantasmas dos islandeses Sigur Rós seguem o seu caminho. Do palco, nascem luzes que parecem procurar almas incautas que vagueiam na sombra.

Antes da breve saída de palco, os These New Puritans anunciam “V (Island Song)” ,e ao longo de mais de dez minutos, as vozes misturam-se com a música e o resultado é mais um momento de grande intensidade. Os sons resultam na medida e lugar certos e do aparente caos surge a harmonia. No final, os músicos abandonam à vez o palco, que fica entregue a si próprio, ao som das palmas do público e de um omnipresente feedback.

O regresso, quase imediato, é feito com uma reinterpretação de “We Want War” e o público é presenteado com a brutal entrega dos músicos. O sampler domina o ambiente e, por momentos, sente-se a panfletária herança do manifesto dos suíços The Young Gods, que vão atuar nesta mesma sala no final da próxima semana. O último tema da noite seria um “Orion” em tom operático e brilhante, que se revelou no canto do cisne da brilhante e cativante atuação dos These New Puritans, que se assumem como uma das mais interessantes bandas da atualidade.

Antes do concerto dos These New Puritans o palco esteve entregue à solitária alma de Erica Buettner, uma norte-americana que adotou Portugal como sua casa e tem no registo indie-folk a sua imagem de marca. Num universo próximo de Joan Baez ou Joni Mitchell, Buettner cantou meia dúzia de canções cujo ambiente tranquilo e sedutor soube arrancar merecidas palmas em crescendo junto dos poucos que já se encontravam na sala. Com apenas um álbum editado, de seu nome “True Love and Water”, a simpática e cativante norte-americana tocou canções como “Parisian Clouds”, “Wolf Among Wolfs”, algumas das quais parte do reportório de uma colaboração resultante com o coletivo “The Resident Cards”. Apenas com uma viola como companhia, Erica Buettner deixou água na boca e o seu perfil tímido e intenso merece especial atenção num futuro próximo.

In Palco Principal

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