sexta-feira, 15 de novembro de 2013

“Novela de Xadrez”
de Stefan Zweig

Retrato prepotente da desumanidade



Nascido em Viena em 1881, Stefan Zweig é uma das maiores vozes literárias europeias da primeira metade do século XX. Pautou a sua atividade intelectual através da poesia, ensaios, contos e novelas aventurando-se, também, enquanto dramaturgo, historiador e biógrafo.

Apesar de ter conquistado um invejável sucesso por terras do velho continente, o austríaco sentia-se verdadeiramente ameaçado pela crescente influência que o nacional-socialismo começava a demonstrar na década de 1930 e, a sua ascendência judaica, tornava-o como um potencial alvo de perseguição.
Os seus piores pesadelos foram confirmados e, entre outras ações contra a sua pessoa, o autor de “Amok” ou “Carta de Uma Desconhecida” viu os seus livros servirem de combustível para uma das famosas piras organizados pelos guardas nazis como forma de repúdio à cultura judaica.

Amargurado e desgostoso com a conjuntura decidiu abandonar a pátria austríaca e rumou a Inglaterra, mas seria o Brasil o seu destino final. Na companhia da sua secretária Lotte – mais tarde sua esposa – procurou, em vão, a paz espiritual por terras sul-americanas, mas a política de Getúlio Vargas adensou a sua depressão. Ainda assim, seria por terras do Brasil que descobriria uma nova paixão: o xadrez.

É já em Petrópolis que escreverá “Novela de Xadrez” (Assírio & Alvim, 2013), obra recentemente editada com tradução do alemão e que conta com notas de Álvaro Gonçalves, assim como uma biografia do autor nas primeiras páginas.

Esta novela, escrita pouco tempo antes do seu suicídio, assume-se como o derradeiro testemunho literário de Zweig e relata a vida de um campeão mundial de xadrez que tem, no jogo que domina como ninguém, a única forma de exteriorizar alguma competência enquanto pessoa, pois sem o xadrez Czentovic é apenas uma sombra do espetro humano.

Com uma escrita sóbria e sem subterfúgios empolados ou mascarados, Zweig descreve a viagem de Czentovic num navio de passageiros que parte de Nova Iorque para Buenos Aires e que tem, entre a sua tripulação, alguém que vai colocar em causa a arrogante mestria do campeão mundial de xadrez. Esse misterioso passageiro é a face de uma reviravolta a bordo, e através do seu exímio pensamento frente ao tabuleiro de 32 peças desperta a atenção de todos que questionam onde o Dr. B. terá adquirido tal sabedoria e a que custo a conquistou.

Com a sábia genialidade de um dissidente, Stefan Zweig torna “Novela de Xadrez” numa das mais apetecíveis novelas psicológicas de toda a história da literatura, através de um misto de suspense e realismo, fazendo uma pertinente e metafórica reflexão sobre a transformação de um ser humano frágil num animal prepotente. Isto, ao mesmo tempo que convida o leitor a sentir os dramas infligidos pelo nazismo e, de certa forma, a descrença face à cultura ocidental da época.

In Rua de Baixo

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