quarta-feira, 16 de outubro de 2013

“O Homem de Constantinopla”
José Rodrigues dos Santos

A ficção ao serviço da história



Muitas vezes, o curso da história revela lacunas, momentos menos conhecidos ou de dúvida permanente. Para se refazer a linha cronológica, o historiador desenvolve técnicas que, baseadas em alguns traços reais, criam uma ponte entre a ficção e a realidade, entre o verosímil e o factual. O escritor, por vezes, cai na mesma tentação.

É com base nessa mestria que José Rodrigues dos Santos reconstrói a vida e obra de Calouste Gulbenkian, um homem que ousou desafiar tudo e todos, acabando por fundar um dos maiores impérios do mundo moderno e que escolher Portugal para deixar o seu legado cultural, através de uma fundação que mantém o seu estatuto de excelência passadas várias décadas.

A morte de Calouste Gulbenkian, em 1955, deixou um vazio face a sua existência e não existem grandes relatos sobre a mesma. Tendo como base a leitura de uma biografia do misterioso filantropo, José Rodrigues dos Santos estudou ainda vários registos de contemporâneos do ex-magnata do petróleo – que recebeu a alcunha de o “Senhor Cinco por Cento” devido à mestria como se movia no mundo dos negócios sendo que tal episódio é referido no livro em causa – e, juntando a essa informação relatos baseados na herança oral, chegamos a “O Homem de Constantinopla” (Gradiva, 2013), um romance biográfico ficcionado que reflete parte da vida do arménio e que se assume como a primeira parte de um relato que tem, no seu conjunto, mais de 1000 páginas, e que terá em “O Milionário em Lisboa” o tomo conclusivo.

Referência da escrita em Portugal e um dos seus autores mais prolíferos com 11 obras editadas em 12 anos, Rodrigues dos Santos lança-se numa aventura que tem o seu início aquando da queda do império Otomano e que obriga a família de Kaloust Sarkisian a refugiar-se em locais onde a sua existência não seria colocada em causa por conflitos que têm a religião como ponto de discordância.

Ao longo de 500 páginas ficamos a conhecer as desventuras de um homem que se serviu da sagaz sapiência negocial para formar um dos maiores impérios financeiros da história, ainda que tenha sido obrigado a percorrer meio mundo. Da Arménia a Inglaterra, passando por França ou Rússia, Rodrigues dos Santos oferece um romance de ficção cuja inspiração de acontecimentos verídicos dá a conhecer um homem único que viveu os últimos suspiros do século XIX e a primeira metade do século XX, assistindo da primeira fila a momentos-chave da história e assumindo-se como uma alma em tudo semelhante a um “Forrest Gump” no caminho da evolução.

Tal como é apanágio do autor, “O Homem de Constantinopla” revela-se um delicioso romance cuja riqueza histórica envolve o leitor de tal forma que se torna (quase) impossível parar de o ler. A escrita clara, interessada e interessante de José Rodrigues dos Santos denota inspiração da ação cinematográfica, seduzindo o leitor com “imagens” literárias que sustentam as palavras escritas nascidas a partir da ideia central de fazer uma biografia de caráter ficcional, onde o rigor assenta na capacidade imaginativa do autor.

Pelo meio desta intricada narrativa existem relatos polémicos, alguns nomes trocados pela poesia da escrita romanceada e, acima de tudo, reflete-se uma época onde os negócios e a evolução técnica estavam intrinsecamente ligadas, onde a corrupção era o meio para conseguir fins vários pois a conjuntura o permitia e era tornada prática comum, principalmente no que toca à realidade do Império Otomano.

A primeira edição desta obra, cuja tiragem de 50 mil exemplares já esgotou, promete transformar “O Homem de Constantinopla” num dos livros mais interessantes do ano. Os fãs do autor de títulos como “O Último Segredo” ou “O Sétimo Selo” apenas vão ter de aguardar pelo próximo mês para saber a conclusão deste romance que terá, em “O Milionário em Lisboa”, a desejada conclusão, com a trama a incidir sobre a passagem de Gulbenkian pela capital portuguesa.

In Rua de Baixo

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