quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Nirvana - “In Utero - 20th Anniversary Edition”

O som de uma geração



Início da década de 1990. O movimento grunge estava no auge. As camisas de flanela faziam parte da indumentária de milhões de jovens que tinham descoberto um novo ídolo, alguém que se parecia com eles, no fundo, um espelho da sua alma. Washington, mais concretamente Seattle, era a capital do rock.

Segundo a lenda, foi Mark Arm, voz de bandas como Green River e Mudhoney, que terá “inventado” esta nova forma de rock que bebeu influências dos movimentos punk, indie e trash, e que se cimentou através da editora Sub Pop, a primeira casa de bandas como os Soundgarden, ou já referidos Mudhoney e os, até à época desconhecidos, Nirvana.

Kurt Cobain, Kris Novoselic e Chad Channing entram em estúdio nas instalações dos Reciprcal Recording, em Seatlle, em dezembro de 1988 e, durante cerca de dois meses, gravam as 11 faixas de “Bleach”, um disco descaradamente punk e niilista que apenas mais tarde viria a ser recompensado pela sua qualidade crua, depois do sucesso, inesperado diga-se, fazer parte do vocabulário da banda de “Nevermind”, álbum que mudaria por completo a história do rock.

Com Butch Vig na produção e já com Dave Grohl na bateria, “Nevermind” marcaria o ano de 1991 e cometeria a heresia de destronar “Dangerous”, de Micheal Jackson, do lugar cimeiro da tabela da Billborad. “Lithium”, “Come as You Are” e especialmente “Smeel Like Teen Spirit” eram a banda sonora de uma geração cujo presente era sinónimo de incerteza e desesperança.

Os Nirvana vendiam milhões de discos, Cobain e camaradas conseguiam extravasar o movimento grunge e a sua música invadia tudo e todos. Um pouco a “reboque” do sucesso de “Nevermind” surgiam bandas grunge a cada esquina, mas apenas algumas mantinham a capacidade e talento de se aguentar em cena, sendo os exemplos mais flagrantes os mais experientes Soundgarden, Alice in Chains e Pearl Jam.

Longe de todo o sucesso e refugiando-se nas drogas duras e no álcool, Kurt Cobain fugia das câmaras e deixava a imagem de um homem em luta consigo mesmo, torturado pelas constantes dores de estômago e por uma cabeça que não conseguia atingir um patamar de estabilidade.

Como que a dar um pontapé na monotonia, os Nirvana voltam a entrar em estúdio e, em setembro de 1993, lançam “In Utero”, um disco que se assumia como uma rutura face à visão mais “comercial” de “Nevermind”. Para isso, a banda chamou Steve Albini para a produção e como resultado nasceu um disco absolutamente genial, alicerçado num som mais abrasivo, mais direto, gravado durante apenas duas semanas em formato “ao vivo”. Esse som mais orgânico foi, em parte, responsável pelo batismo do disco, que teve como primeira denominação “I hate myself and i want to die”, uma forma que Kurt encontrou para caricaturar o gigante mediático em que a banda se tinha tornado e que serviria de presságio para o que aconteceria em abril de 1994.

Em completa falência pessoal, Cobain decide colocar um ponto final na existência. O quinto dia de abril de 1994 abriria um novo capítulo na história do rock e o mundo da música ficava manifestamente mais pobre. Morreu um homem, nasceu uma lenda, um mártir, um ídolo de uma geração.

Vinte anos mais tarde, “In Utero” é reeditado e, ao ouvir novamente esta fenomenal disco, sentem-se saudades de uma banda que terminou cedo demais, que deixou um curto e maravilhoso legado que ainda hoje assume uma contemporaneidade desarmante.

A propósito desta nova edição - que conta com as habituais recuperações de demos, atuações ao vivo e outros takes que fazem as delícias dos colecionadores -, Dave Grohl descrevia numa entrevista algumas das questões que tornaram “In Utero” um álbum charneira. Para o líder dos Foo Fighters, a principal diferença de som entre o álbum de 1993 e “Nevermind” foi a sua génese de gravação. Enquanto “Nevermind” foi gravado em vários takes, com Butch Vig a procurar a perfeição, Steve Albini queria tudo direto e, se possível, sem overdubs, pois tinha por objetivo transmitir o som dos Nirvana ao vivo.

Esse sentido abrasivo volta a sentir-se nesta nova edição, mas a sua remasterização traz outra magia ao som geral do disco, ainda que os pormenores sejam, por vezes, “inaudíveis” sem a devida legenda. Numa das novas edições de “In Utero” é possível ler uma missiva que o produtor enviou à banda e saber a enorme pressão que o trio estava a sentir por parte da editora, que levou a que Albini visse o seu papel de produtor diminuído em faixas como “Pennyroyal Tea”, “Heart Shaped Box” e “All Apologies”, que tiveram ajustes por parte de Scott Litt, um dos responsáveis pelo som de bandas como os R.E.M.. Apenas hoje, duas décadas depois e pela primeira vez, é possível sentir o disco como um todo no que toca à magia de Albini.

Outras das diferenças notadas nesta nova versão do clássico dos Nirvana prende-se com o fato de Albini, Grohl e Novoselic terem trabalhado as recentes misturas finais a partir das gravações originais. A versão de 2013 inclui novos sons de guitarras em faixas como “Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seatlle”, assim como novos takes de voz ou eliminação de alguns truques que tinham como objetivo “polir” o sujo mais sujo de algumas composições.

O recurso aos arquivos permitiu ainda juntar a esta edição algumas faixas que foram encontradas depois de um autêntico trabalho de espeleologia e é hoje possível ouvir demos de gravações quase “instrumentais”, pois as letras ainda não tinham sido trabalhadas em conjunto com a música. Mais é também possível ter acesso a lados B e algumas faixas não editadas. Como exemplo, damos uma das versões de “Marigold”, que inclui no seu início um “suspiro”, em forma de desabafo, ou a inclusão de “Sappy”, uma faixa que era vulgarmente tocada ao vivo, e ainda os inéditos “Forgotten Tune” e “Jam”, uma genial “jam session”. Outras das mais-valias destas compilações prende-se com a qualidade sonora das demos, que surpreende quem está à espera de um material mais cru.

A acompanhar a compilação, na sua versão “Super Deluxe”, foi incluído um CD/DVD de “Live & Loud”, realizado no final de 1993, a poucos meses do suicídio de Cobain, e que revisita o fundo de catálogo da banda.

Analisando esta compilação em traços gerais, estamos perante uma desconstrução do próprio mito “In Utero”, que pretende servir de contextualização da própria existência da banda. É este um projeto pertinente? Digamos que sim, na medida em que permite um outro olhar ao trabalho da banda, um olhar antes do produto final e, acima de tudo - e esta é, sinceramente, a mais-valia de “In Utero – 20th Anniversary Edition” - permite fazer com que o mundo não esqueça este genial álbum. É difícil imaginar qual seria a reação de Kurt ao ver uma edição de luxo de um trabalho seu passados vinte anos, ele que se regia por uma visão simplista da vida e rejeitava a ideia “burguesa” da existência, mas, em forma de homenagem, deixamos aqui, mais uma vez, um imenso obrigado a um talento único. A música, sua e de Grohl e Novoselic, embandeirou uma geração e é um dos maiores legados do rock que se conhecem.

Alinhamento:

01.Serve the Serventes
02.Scentless Apprentice
03.Heart-Shaped Box
04.Rape Me
05.Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle
06.Dumb
07.Very Ape
08.Milk It
09.Pennyroyal Tea
10.Radio Friendly Unit Shifter
11.tourett’s
12.All Apologies

Classificação do Palco: 10/10

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