terça-feira, 1 de outubro de 2013

“Metallica - Through the Never”

As marionetas nas mãos dos mestres



Quando os norte-americanos Metallica lançaram “Kill’Em All” em 1983 poucos (ou nenhuns) acreditariam que passadas mais de três décadas o disco de estreia de James Hetfield, Lars Ulrich, Ron McGoveny e Dave Mustaine seria o rastilho para um dos maiores fenómenos musicais da história do universo “rock”.

Ao longo dos mais de trinta anos a banda de “Seek and Destroy” conseguiu ultrapassar todas as barreiras e desafios debelando, com maior ou menor dificuldade, problemas internos, mudanças de músicos e até a morte de um dos seus membros.

Hoje, sem sombra de dúvidas, os Metallica são um dos nomes maiores da música em todo o mundo e conseguiram, com um invejável mérito, levar o seu som a todos quebrando a barreira de ser apenas uma banda de trash-metal como tão orgulhosamente defendiam nos primórdios da sua existência. James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e, mais recentemente, Robert Trujillo arrastam multidões, movem (e fazem) milhões e continuam a fazer excelente música.

Mas para além dos atributos musicais, Metallica é também sinónimo de (competente) entretenimento e “Through the Never”, uma aventura 3D em formato IMAX, surge como uma nova abordagem ao reportório da banda que junta à energia de um concerto uma narrativa surreal que serve de “plano de corte contextual” (ou não) e que tem no ator Dane DeHaan o maior foco de atenção.

Ainda que não sejam estreantes no grande ecrã – em 2004 o documentário “Some Kind of Monster” serviu para a banda exorcisar fantasmas e lutas internas e depois, por exemplo, “S&M” e também “Orgullo, Pasión y Gloria: Tres Noches en la Ciudad De Mexico” serviram como amostra do que a banda fazia ao vivo – “Trough the Never” é uma nova abordagem ao registo concerto e o realizador húngaro Nimród Antal conseguiu aquilo que muitos tentaram em vão pois até hoje nenhum exercício cinematográfico conseguiu reunir a energia rock de um espetáculo ao vivo com a arte de filmar o mesmo de uma forma tão brilhante.

Com o auxílio de mais de duas dezenas de câmaras e tendo como base as atuações da banda em Vancouver e Edmonton realizadas aquando da digressão-maratona “World Magnetic Tour” em 2012, Antal oferece a todos os fãs de Metallica (principalmente a eles) a possibilidade de viver, sentir e, arriscamos, fazer parte, de um mega-show que (quase) preenche todos os sentidos de quem assiste a “Through the Never”.

A película faz parte do cartaz da mais recente edição do Toronto Film Festival e está a gerar muitas expectativas. Nós, que já tivemos o privilégio de ver o filme, garantimos que “Throught the Never” é uma experiência gratificante mas enquanto “objeto” concerto e pouco ou nada mais.

Depois das primeiras imagens do filme remeterem para uma intro de um excitante jogo de consola com uma panorâmica sobre uma urbe noturna repleta de arranha-céus, dentro da sala de espetáculo os quatro Metallica entram em palco ao som do habitual clássico de Ennio Morricone, “The Ecstasy of Gold”. Ao mesmo tempo do concerto surge uma (curta) narrativa paralela (ou intrínseca) que leva o ator Dane DeHaan, aqui um roadie da brutal equipa que acompanha as digressões dos Metallica, a percorrer a cidade em busca de algo que a banda necessita com urgência.

Ao mesmo tempo que Lars, James, Kirk e Robert levam os milhares de fãs à loucura com um concerto memorável, DeHaan envolve-se numa aventura surreal que tem início depois de um acidente de viação vendo-se envolvido num motim urbano transformado em guerra apocalíptica entre a polícia e manifestantes, que tem na personagem de um enigmático e agressivo cavaleiro um dos seus maiores pontos de interesse. Será esta aventura pertinente face ao concerto? Sinceramente, parece-nos que não.

É, pois, a ação de palco que brilha em “Trough the Never”. Ao longo de cerca de hora e meia os Metallica percorrem mais de 30 anos de canções (emblemáticas e icónicas) e com o auxílio de uma arena apetrechada com o que de melhor a tecnologia pode oferecer e transformam esta atuação em algo muito especial.

Com o enérgico Lars Ulrich no centro das atenções, os restantes membros da banda percorrem o gigantesco palco de ponta a ponta e são, também eles, atores. Os microfones e pedaleiras espalhados pelo palco permitem que o púbico seja contemplado com performances de todos os ângulos sentido assim ainda mais a atuação (dedicadíssima e ensaiada até ao ínfimo pormenor) da banda.

E como é de show que falamos, do ar surgem rajadas de tiros e lasers e simula-se execuções em cadeira elétrica, o chão transforma-se num rio de sangue e vê emergirem cruzes sendo também base para a construção de uma estátua que remete para a capa do álbum “Injustce for All”. A pirotecnia assalta amiúde a assistência e no ar respira-se um ambiente repleto de suspense e excitação. E como o “espetáculo não pode parar” estes Metallica versão Hollywood têm ainda tempo para entrar na encenação e tentar salvar a noite depois do caos se instalar na arena.

Mesmo que envolvidos em tanto aparato, a banda tem tempo para oferecer um concerto fantástico, com um som excelente, e faz desfilar clássicos como “Creeping Dead”, “From Whom the Bells Tolls”, “Ride the Lighting”, “The Memory Remains”, “Master of Puppets”, “Battery”, “Enter Sandman” ou “Nothing Else Metters”. É óbvio que o sistema IMAX é um dos grandes responsáveis pelo sucesso desta experiência cinematográfica mas a arte como os Metallica trabalharam a sua música sobrepõem-se a tudo o resto e a “nova” abordagem a algumas das mais antigas composições do grupo resulta na perfeição.

Na parte final deste concerto somos premiados com magníficas versões de dois clássicos. Se em formato “garagem” os primeiros acordes de “Hit the Lights” agitam tudo e todos, a versão mais closy de “Orion” leva a que todos os presentes na sala de cinema não arredem pé pois, acreditem, “Trough the Never” é para se ver mesmo, mesmo até ao fim.

Para além de ser uma nova experiência no que à linguagem cinematográfica diz respeito, este concerto é, dizemos nós, uma forma de agradecimento que os Metallica fazem aos seus fãs de sempre, independentemente da sua idade, mas não nos parece que se possa apelidar “Through the Never” de filme pois quanto muito estamos perante uma versão deluxe dos já referidos “S&M” ou “Orgullo, Pasión y Gloria: Tres Noches en la Ciudad De Mexico”. Felizmente, fica a música e nesse campo os Metallica são sim candidatos a qualquer “óscar musical”.

In Rua de Baixo

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