domingo, 22 de setembro de 2013

“Ópera Flutuante”
de John Barth

A vida tal como ela (não) é



Tal como é habitual na sua escrita, John Barth envolve “Ópera Flutuante” (Sextante Editora, 2013)- o seu romance de estreia, publicado pela primeira vez em 1955 – numa cadência narrativa que, em primeiro lugar, tende a afastar-se do próprio conceito de estória, de forma a ir de encontro às verdadeiras motivações do personagem principal – neste caso Todd Andrews, um advogado libertino, solteirão e provocantemente descrente que relata toda a sua vida em 24 horas.

Depois dessa primeira abordagem, os nossos olhos e restantes sentidos são encaminhados para uma estrada literária, que se (auto)descobre através de puzzles que motivam decisões e atos futuros ou em vias de ultrapassar a linha ténue a que podemos chamar de presente.

À medida que nos embrenhamos neste romance de John Barth é comum pensar que estamos perante um exemplo existencialista – ou até mesmo niilista – de escrita mas, uma análise mais atenta, revela outras características mais profundas.

Andrews, o nosso anti-herói, está longe de ser um ser abjeto ou cruel; é apenas uma pessoa singular e particularmente adversa para com o estatuto convencional da existência. Assim, o maior desafio deste livro, é ler as diversas camadas de um personagem que incorpora na plenitude a pluridimensionalidade da escrita do autor, propenso à utilização inteligente de trocadilhos ou uma descrição da realidade inata à dupla “Andrews-Barth”, que rapidamente se transforma numa personagem de sentido único.

A riqueza da linguagem e contextualização deste “Ópera Flutuante” oferece momentos negros (como matar alguém numa guerra) ou ridículos (quando se inclui os próprios dejetos como última vontade num texto em forma de testamento), com a mesma pertinência e sapiência.

Alguns livros dão respostas, outros questionam. Nesta obra, John Barth navega em ambas as margens. Narrado na primeira pessoa, o que origina um diálogo entre escritor e leitor, esta peça literária assume-se como puro entretenimento em forma de meta-ficção.

Este romance inicia-se na manhã que leva Andrews a decidir que a solução para os seus dilemas é o suicídio. Mas, à medida que se avança nas páginas, sentimos que tal decisão está longe de ser definitiva. Essa resposta, ainda que não completamente explícita, está nas entrelinhas de cada frase, pensamento ou ação. A prosa, bem-humorada e aventureira, tal como a intensidade de toda a estória, é muito atraente, cativante e descaradamente honesta e direta.

In Rua de Baixo

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