quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Noiserv
"Almost Visible Orchestra"

Algodão doce



Quando, em 2008, ouvimos “One hundred miles from thoughtlessness", ficámos com a noção, para não dizer certeza, que a música portuguesa acabava de ver criado um novo nicho auditivo onde as composições resultavam de uma matemática especial, que somava guitarras a megafones, caixas de música a melódicas, guitarras a outros instrumentos díspares.

David Santos, aka Noiserv, inventava uma música naif, repleta de sentimento e paixão, que fazia explodir um verdadeiro carrossel de emoções carregadas de sacarose. A experiência seguiria em 2010 com o maravilhoso EP “A day in the day of the days" e na memória ficam músicas como “Mr. Carousel” ou “The sad story of a little town”. Nesse mesmo ano Noiserv participaria com algumas músicas, em nome próprio, na a banda sonora de filme “José&Pilar”.

Três anos depois, eis que a 7 de outubro chega aos escaparates “Almost Visible Orchestra”, também conhecido como “A.V.O.”, um álbum com dez músicas e uma duração que ronda a meia hora. A apresentação do disco tem data marcada para o primeiro dia de outubro e terá como palco a sala lisboeta do Teatro S. Luiz, com a particularidade da entrada do espetáculo ser livre.

No que toca ao disco propriamente dito, “A.V.O.” começa com “This is maybe the place where trains are going to sleep at night”, um exercício tipicamente Noiserv e que embala os mais resistentes. Se o início é marcado pela simplicidade de acordes, progressivamente as camadas sonoras sucedem-se de forma natural e é, então, anunciada a entrada da voz dolente de David Santos, também ela um instrumento marcado pela sobreposição de tonalidades.

Num registo mais low-fi com pitadas de faíscas eletrónicas, “Today is the same as yesterday, but yesterday is not today”, o primeiro single a ser retirado de A.V.O, revela o à-vontade com que o músico/produtor português se mexe em cenários musicais onde a melodia revela uma vontade própria entre os ecos das “vozes” presentes nesta caixinha de música especial. “It’s easy to be a marathoner even if you are a carpenter” - que tem como base a vivência verídica de Francisco Lázaro, um maratonista português que fez parte da primeira equipa olímpica portuguesa nos jogos de Estocolmo, em 1912, e que desfaleceu durante a prova, vindo a falecer devido ao esforço - revela-se mais escuro e o dramatismo sobe à custa da voz quebrante de David Santos e das cordas simples de uma guitarra sofrida.

De volta a toadas mais eletrónicas e planantes, “I’m not afraid of what i can’t do” é um trajeto singular dentro de uma caixinha de música que cresce à medida que os segundos passam, para inevitavelmente terminar com a suavidade de um sonho bonito. Depois, “47 seconds are enough if you only have one thing to do” revela a capacidade de transformar um conjunto de acordes díspares numa curta poesia.

O regresso às canções mais encorpadas faz-se com “Life is like a fried egg, once perfect everyone wants to destroy it”, um exercício sonoro que se inicia com uma cadência minimal, que aumenta de intensidade e forma com o passar dos segundos. A voz é substituída por sons multifacetados condensados numa primeira instância, mas depois surge firme, ainda que seja a solidão o tema de fundo.

Depois do isolamento, é a vez do julgamento de terceiros ser o mote para “I will try to stop thinking about a way to stop thinking”, com David Santos a utilizar as cordas acústicas da sua guitarra para tornar ainda mais épico um tema salpicado pela habitual eletrónica. “It’s useless to think about something bad without something good to compare” mantém o registo assente nas cordas de uma guitarra, a fazer lembrar alguns momentos dos Tortois. Sente-se na voz a parceira perfeita.

Já na reta final do disco surge “I was trying to sleep when everyone woke up”, uma faixa que abandona momentaneamente o registo solitário de David Santos que aqui recorre à companhia de Rita Red Shoes, Luísa Sobral, Esperi, Afonso Cabral & Salvador Menezes (dos You Can´t Win Charlie Brown), Francisca Cortesão (Minta) e Luís Nunes (Walter Benjamin) para abrilhantar ainda mais um disco especial.

O disco termina com um dos seus mais bonitos momentos, com “Don’t say hi if you don’t have time for a nice goodbye” a evidenciar-se uma das mais intensas composições de Noiserv. É impossível ficar indiferente à doce melancolia que uma canção como esta revela a cada segundo. A voz cola ao som, que por sua vez levita dentro de uma escala assombrosamente doce e leve, que se assemelha a um “quebra-cabeças” único, um labirinto onde a frágil eletrónica se assume com a mais valiosa aliada da orgânica geral do disco.

Tudo neste disco é pensado de forma a deliciar quem o ouve. Seja o conteúdo musical ou a própria capa em forma de puzzle, “A.V.O” é uma peça de pura filigrana. De uma auspiciosa promessa, com o passar do tempo e dos discos, Noiserv é uma certeza duradoura, um projeto de um homem só que se refugia na solidão para criar peças de arte em forma de canções. A ele, a David Santos, agradecemos por isso. Esta orquestra não só é visível como é uma das melhores paisagens sonoras jamais feitas em Portugal.

Alinhamento:

01.This is maybe the place where trains are going to sleep at night
02.Today is the same as yesterday, but yesterday is not today
03.It’s easy to be a marathoner even if you are a carpenter
04.I’m not afraid of what i can’t do
05.47 seconds are enough if you only have one thing to do
06.Life is like a fried egg, once perfect everyone wants to destroy it
07.I will try to stop thinking about a way to stop thinking
08.It’s useless to think about something bad without something good to compare
09.I was trying to sleep when everyone woke up
10.Don’t say hi if you don’t have time for a nice goodbye

Classificação do Palco: 9/10

In Palco Principal

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