segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Linda Martini – “Turbo Lento”

Com o sangue a ferver!



Uma das maiores causas de insucesso para muitas e promissoras bandas é a má gestão, forma e capacidade de crescimento. Um passo em falso, um deslumbramento, um erro de trajetória e aquilo que podia ser uma carreira passa a ser um registo marcado numa qualquer data de calendário.

Quando se formaram em 2003, os alfacinhas Linda Martini tinham cinco elementos e uma vontade enorme de fazer música, de celebrar a vida. Com uma invulgar mestria, dedicação e talento, dez anos depois e com algumas peripécias pelo caminho, o quinteto passou a quarteto e André Henriques, Cláudia Guerreiro, Pedro Geraldes e Hélio Morais chegam ao terceiro álbum de originais via Universal.

Se, em 2006, o EP “Amor Combate” poderia parecer apenas uma estreia ambiciosa, hoje, “Turbo Lento” é a esperada continuação e confirmação de uma carreira pautada pela qualidade, pela sapiência de crescer com conta, peso, medida e melodia certa.

O som dos Linda Martini está mais adulto, mais rock, mais bonito. Os gritos de revolta soam a esperança, as guitarras desalinhadas dialogam com a cumplicidade dos amantes, o baixo sublinha a intensidade da música e a bateria descarrega a garra própria de quem ama o que faz. Ouvir os Linda Martini é sentir a fúria de viver, o sangue a correr nas veias, a vontade de chegar.

Depois do mais direto “Casa Ocupada” e ainda com os ecos poéticos de “Olhos de Mongol” na alma, os Linda Martini chegam a “Turbo Lento” através de um misto de continuidade e rutura, com uma assinalável noção de transição assente na energia punk-rock e na tensão de momentos mais calmos cozinhados como uma mestria sublime.

Se para primeiro single a banda escolheu “Ratos”, uma composição que vem na continuidade sonora de “Casa Ocupada” e que agarra de imediato o ouvinte, são temas como “Juaréz” ou “Pirâmica” que mais sintetizam o atual som dos Linda Martini, um misto de fúria e paixão únicos, uma delícia sónica ao serviço de uma sagaz militância musical.

O disco abre com “Ninguém Tropeça nos Dias”, um instrumental em crescendo que serve como entrada para o resto de uma refeição deliciosamente preparada. O registo tranquilo das cordas anunciam a urgência que se aproxima enquanto a batida marcial traça a ansiedade do som que quer explodir, que se contém. É essa energia acumulada que se liberta logo de seguida com “Juárez”, um exercício punk gritado que liberta o stress em registo montanha-russa, onde os momentos mais calmos ajudam a recarregar baterias. Esta é um pouco da soma das partes que compõem o ADN do Linda Martini, que numa equação matemática poderiam ser definidos como parcelas de doses idênticas de razão e paixão.

“Panteão”, uma das primeiras músicas a ser trabalhada em “Turbo Lento”, continua a plenitude sonora do terceiro álbum de originais da banda de “Belarmino” e assenta num ritmo hipnótico contextualizado com uma das mais sentidas interpretações vocais de André Henriques, ele que continua como o maior responsável pela poesia das canções da banda, algo que cresceu neste disco, pois os Linda Martini estão mais “cantáveis”.

Logo a seguir, “Pirâmica” revela-se como um dos momentos mais intensos de “Turbo Lento” e uma das faixas mais bonitas do disco. Vertigem sónica pura que se serve de todos os pormenores para se fazer mais completa. A voz dá dramatismo enquanto a base sonora nos leva para dentro de uma espiral crescente que vai buscar ao coro gritado do seu final um expoente que extravasa poesia por todos os poros. Sentimos que os 4 minutos e 29 segundos desta faixa poderiam ser 10, 20 minutos. Queremos mais, queremos uma sereia, não de cem metros, mas vestida de quilómetros.

O swing continua com o “desabamento” lírico de “Sapatos Bravos”, uma canção que faz suspirar, correr, parar, saltar, que agita. E é naturalmente ofegantes que chegamos a “Febril (Tanto Mar)”, um manifesto desconcertante que o sample de “Tanto Mar”, de Chico Buarque, ajuda a tornar mais intenso. Fala-se da ressaca de movimentos e intenções. Fala-se da vida, da sociedade, da política. Canta-se, sente-se, existe-se.

A composição mais longa deste disco, “Tremor Essencial”, aproxima-se de um sentimento jam-session que teima em fixar-se nas paredes dos ouvidos, que dança e faz dançar, que procura saídas. Fala-se da difícil arte de crescer, de procurar a diferença. Curiosamente, ou talvez não, reúnem-se os pressupostos que alicerçaram a evolução da música dos próprios Linda Martini, uma banda confiante e confiável, honesta e consciente. As rugas, essas, a existirem, serão de expressão, naturalmente.

Já na parte final do disco chegamos a “Ratos”, tema que a banda já vem tocando nos concertos há meses e cuja interpretação multifacetada leva-nos a “erróneos” mas entendíveis conceitos políticos, ainda que a sua génese esteja diretamente relacionada com dilemas interiores de uma alma assolada pela possível perda de independência. Contextualizações várias mas um sentido único de fúria, força, perfil rock assinalável e bastante “radio friendly”. “Aparato” volta a cerrar dentes e a incitar a combustão de uma turbulência inusitada, o mesmo acontecendo com “Tamborina Fera”, que apresenta um registo febril e rápido. A festa continua bonita e repleta de energia.

“Turbo Lento” encerra com a suave e lindíssima “Volta”, composição escolhida como o segundo single do álbum e que mostra uma faceta mais tranquila de uma banda que se assume como um clã revestido de várias camadas emotivas. Os últimos acordes desta faixa remetem para os segundos iniciais da canção de abertura e fazem a ponte entre o fim e o começo, entre duas pontas de um mesmo laço. Os Linda Martini são donos de um som intrínseco que tem um começo, um fim, um meio, meios de chegar até nós, dá a volta, leva-nos de cá para lá.

“Turbo Lento” é uma viagem, um carrocel de sentimentos, não importa a intensidade das canções ou o nível dos decibéis das mesmas. Os Linda Martini não são formados por partes individuais, mas sim como um todo, uma coerência que permite momentos mais calmos e outros para violentos. Os Linda Martini são a continuidade e a rutura, são o tal sangue a ferver e a acalmia, são o grito e o silêncio. São o Fado que quer ser samba, são a chuva e o sol. Mas são, acima de tudo, uma das mais excitantes bandas que Portugal já conheceu e, esperemos nós, assim continuem.

Alinhamento:

1.Ninguém Tropeça nos dias
2.Juárez
3.Panteão
4.Pirâmica
5.Sapatos Bravos
6.Febril
7.Tremor Essencial
8.Ratos
9.Aparato
10.Tamborina Fera
11.Volta

Classificação do Palco: 9/10

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