domingo, 22 de setembro de 2013

“Acqua Toffana”
de Patrícia Melo

Puro veneno 



Com obras publicadas em vários países da Europa, assim como na China, Patrícia Melo, uma cidadã do mundo que vive entre a Suíça e o Brasil, é uma das mais galardoadas romancistas brasileiras da sua geração, tendo arrecadado importantes prémios com algumas das suas obras.

Se com “Matador” ganhou os prémios “Deux Océans” e “Deutsch Krimi”, “Inferno” valeu-lhe o Prémio Jabuti, fazendo com que Patrícia Melo fosse nomeada para o “Foreign Fiction Prize”. Para além destes títulos, também “Valsa Negra” e “O Elogio da Mentira” ajudaram a cimentar o estatuto desta brasileira em termos do panorama literário internacional, cujo trabalho foi devidamente reconhecido pela “Time Magazine” que, em 2000, a integrou numa lista entre os cinquenta “Líderes Latino-Americanos para o Novo Milénio”.

Se os títulos atrás referidos tiveram entre nós honras de publicação através da editora Campo das Letras, desta vez chega-nos “Acqua Toffana” (Quetzal, 2013), a primeira obra de Patrícia Melo, agora editada pela Quetzal e incluída na coleção “Língua Comum”.

Tal como acontece em outras obras escritas em português do Brasil, a linguagem de “Acqua Toffana” estranha-se e, depois e sem esforço, entranha-se: a elasticidade e o sentido pragmático dos termos brasileiros tornam a ação mais fluida, dinâmica e atraente.

Patrícia Melo divide o livro em duas estórias repletas de thriller e paranoia que, apesar de diferentes, acabam por se cruzar em determinados pontos, sendo o instinto sexual um dos vértices dessa intersecção.

Baseando-se num conhecido veneno originário do período renascentista da história, Patrícia Melo aplica a metodologia de “Acqua Toffana” à sua narrativa e, tal como a pérfida substância, a morte e o medo são sentimentos alimentados de forma gradual e quase impercetível, acabando por funcionar como uma arma temível e silenciosa.

Com uma escrita ritmada e alicerçada num delírio constante, “Acqua Toffana” é sinónimo de duas estórias onde a desconfiança, o medo, o ódio e o desespero são alguns dos ingredientes. Se no primeiro caso vamos conhecer uma mulher em estado avançado de paranoia, que suspeita que o companheiro é um cruel assassino, do outro somos confrontados por um aplicado funcionário de um cartório, que se sente ameaçado por uma vizinha ao ponto de planear a sua morte.

Sempre na primeira pessoa, “Acqua Toffana” descreve vidas à beira do colapso, cérebros assaltados pelo medo, relações decadentes, o efeito nocivo da dependência televisiva e, acima de tudo, mentes assassinas que se escondem por detrás da cívica convivência com os seus semelhantes, mascarando a sua sofisticada demência com a mais convincente das normalidades.

In Rua de Baixo

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