segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Nadine Shah
“Love Your Dum and Mad”

Canções de amor e devoção



Os primeiros sons de “Aching Bones”, a faixa que abre “Love Your Dum and Mad”, disco de estreia de Nadine Shah, revelam um vazio fragmentado que é interrompido por singelos toques marciais de uma bateria que vai perdendo a timidez à medida que o baixo dita as suas leis.

Depois, o ritmo sorumbático é quebrado por uma voz que rapidamente se infiltra pelos recantos mais íntimos no nosso corpo. O lamento dolente e negro da cadência vocal de Nadine Shah hipnotiza, suga a atenção e, no final dos cerca dos quatro minutos da canção que abre o álbum de estreia desta mulher fruto da relação de um pai paquistanês e mãe norueguesa, estamos entregues.

A atmosfera que nos acompanha ao longo das 11 músicas de “Love Your Dum and Mad” é apaixonada, sofrida, glacial, desolada, tocante. Um ano depois dos EP’s “Dreary Town” e “Aching Bones”, sob a batuta do produtor Ben Hillier, Shah consegue fazer um dos melhores álbuns de estreia dos últimos tempos.

Estando a sua música perto do universo sonoro de nomes como Marianne Faithfull, Bad Seeds ou PJ Harvey, Nadine afirma que as cantoras que mais a inspiram são Nina Simone e Maria Callas, mas nós arriscamos incluir na lista Anna Calvi e, em momentos mais extremos, a diva negra Diamanda Galás.

Analisando individualmente cada canção deste disco, sentimos uma identificação própria de uma coleção de temas que libertam uma forte energia, sendo mesmo possível sentir cheiros e ambientes em músicas com o primeiro single, “To Be a Young Man”, a remeter-nos para climas decadentes de um pub à beira do colapso, ou “Filth Game”, que resulta de uma matemática musical nascida dos ecos de uma corrente pós-industrial, onde a voz quase declamada (por vezes acompanhada por um clone fantasmagórico) deixa correr o piano de forma livre.

Por sua vez, “Dreary Town” surge como uma lindíssima valsa negra que nos leva a dançar num vórtice melancólico e carrega um pesado testemunho sobre o suicídio de um ex-companheiro de Shah, que não suportou as agruras de um distúrbio bipolar. Também de uma intensidade dramática assinalável, “Remember” é outro excelente exemplo de uma alma atormentada por sonhos e recordações alimentadas por um piano sofrido e alguns metais que sobem uma escadaria de emoções contraditórias.

Um dos momentos mais belos do disco é “Runaway”, uma clara ode ao amor decadente e onde o fantasma de Polly Jean Harvey é por demais evidente – “To Be a Young Man” é outro exemplo dessa filiação. A bateria marca o ritmo e as guitarras arranham o exorcismo do refrão desta maravilhosa canção. Outro momento que preenche a alma de quem se aventura em “Love Your Dum and Mad” é a balada blusy “All I Want”, que navega por um rio eletrónico minimal que vai desaguar bem no coração do ouvinte.

Seguidas, “The Devil” e “Floating” refletem sentimentos opostos dentro de um álbum que foi pensado ao longo de quatro anos e que teve nos já referidos EP’s dois momentos de preparação. Se, no primeiro caso, o som “descarnado” de “The Devil” revela a tentativa de fazer uma canção crua e direta, na hipnótica “Floating” existe uma noção aveludada de contar uma estória lírica.

O álbum fecha com “Winter Reigns”, mais um conto em formato canção envolto de uma simplicidade desarmante. É mais uma vez o piano que confere maior intensidade dramática, mas é, sem dúvida, a voz de Nadine Shah que se assume como o mais valioso instrumento em “Love Your Dum and Mad”. Sem qualquer entrave seguimos Shah quando ela nos sugere: “Walk with me down this busy street…”. É inevitável acompanhar o canto desta sereia.

Mais do que ter a noção deste ser um grande disco é inato perceber que a magnífica voz de Shah é a grande mais-valia do mesmo. A intensidade dramática oscila de acordo com a cadência vocal desta mulher, que compreende como poucos a verdadeira e preciosa e madura relação entre o ato de cantar e o som instrumental que serve de contexto. Verdadeiramente assombroso.

Alinhamento:

01. Aching Bones
02. To Be a Young Man
03. Runaway
04. The Devil
05. Floating
06. All I Want
07. Used it All
08. Dreary Town
09. Remember
10. Filth Game
11. Winter Reigns

Classificação do Palco: 9/10

In Palco Principal

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