terça-feira, 6 de agosto de 2013

“A RAPARIGA DOS SEUS SONHOS”
de DONNA LEON

A insustentável beleza da investigação policial



Quem já leu alguma das obras escritas pela norte-americana Donna Leon, sabe que os seus livros são mais que meros policiais que reúnem, na sua trama, a soma de pistas de forma a resolver um crime; revelam-se antes um acontecimento que vai para além das margens de um rio que corre em ritmo próprio, como é o caso da Lei que regula a sociedade.

Tal como nos outros romances que têm como figura central o commissario Guido Brunetti, bem secundado pelo ispettore Vianello, “A Rapariga dos Seus Sonhos” (Planeta, 2013) faz um retrato de uma sociedade italiana que luta contra os eternos fantasmas da Máfia, da corrupção e da discriminação contra as minorias étnicas, assim como da apropriação da fé e desespero que resultam na criação de seitas que tentam salvar a alma das gentes.

Depois de ver os seus livros traduzidos em mais de duas dezenas de idiomas, tornando-se numa das mais conhecidas e apreciadas vozes do romance policial, a escritora natural de Nova Jérsia continua dona de uma escrita irrepreensível e repleta de um especial salero, que transformou a série protagonizada pelo carismático Brunetti num autêntico sucesso à escala global.

Ao contrário de outros atormentados personagens dos livros policiais, Guido é um homem normal, sem vícios, que tem na família o seu mais precioso aliado, sendo a sua companheira Paola a maior fonte de inspiração e os filhos Chiara e Raffi a verdadeira essência da sua existência. E é esta aparente “banalidade” que torna este homem ainda mais interessante e, acima de tudo, humano.

“A Rapariga dos Seus Sonhos”, nono livro de Donna Leon publicado pela Planeta, leva-nos mais uma vez ao coração de uma Veneza misteriosa e deveras atraente, que serve de palco para mais uma miríade de acontecimentos que vão colocar à prova os peculiares e intuitivos processos de investigação dos mais famoso comissário italiano da história da literatura.

A forma encantatória como Leon escreve envolve o leitor sobremaneira e, ao fim de algumas páginas ,deixamos o nosso habitat natural e passamos a sentir o cheiro das calles venezianas, assim como o doce ondular dos canais locais que se assumem como as estradas que percorrem o labiríntico trabalho das autoridades policiais lideradas pelo vice-questore Patta.

Na trama deste acutilante romance, Donna Leon mergulha Brunetti em mais uma intrigante aventura. No rescaldo do falecimento de sua mãe, o commissario é confrontado com um pedido de investigação do padre Antonin, um amigo de infância do seu irmão Sergio, que pretende saber pormenores de um homem que lidera a seita Filhos de Jesus Cristo.

Enquanto isso, numa manhã marcada pela intempérie, Brunetti e Vianello deparam-se com o aparecimento de um cadáver de uma menina de onze anos a flutuar no Grande Canal. As posteriores investigações levam a concluir que a criança era de etnia Romani, tinha consigo algumas joias e revelava indícios de atividade sexual. Estranhamente, ninguém comunicou o desaparecimento de Ariana bem como dos objetos que trazia consigo.

À medida que Brunetti aprofunda o caso, o commissario começa a sentir a presença da princesa dos cabelos de oiro dos seus sonhos e inicia uma errática viagem pela busca da verdadeira identidade da menina e da sua família e, pelo caminho, tropeça em segredos que servem de muro para proteger entes queridos cuja salvação pode estar para além do simples conceito de inocência ou culpa.

Com a ajuda de Vianello e dos sempre pertinentes conhecimentos da Signorina Elettra – secretária de Patta -, Brunetti vive uma das mais empolgantes e duras investigações da sua carreira, tendo como principais inimigos o preconceito institucional e os inúmeros ramos de uma criminalidade encapuçada.

Naquele que é mais um excelente exercício narrativo em forma de romance policial de características literárias, “A Rapariga dos Seus Sonhos” é, sem dúvida, um dos melhores livros de Donna Leon e um companheiro obrigatório para quem gosta de uma estória repleta de mistério e reflexão, assumindo-se simultaneamente como um espelho de uma sociedade presa a si mesma.

In Rua de Baixo

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