quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sigur Rós
"Kveikur"

Canções de amor e ódio



Há sensivelmente um ano, os Sigur Rós editavam “Valtari”, um álbum muito ambiental e eletrónico que remetia para um universo mais cinematográfico. Ainda que tais características não fossem desconhecidas para a banda islandesa, sentia-se que Jónsi e seus pares caminhavam para um beco sem saída.

Depois de “Takk”, definitivamente um dos discos mais brilhantes dos Sigur Rós, o grupo natural de Reiquiavique estava a cair numa letargia musical que discos como “Meo Suo í Eyrum vio Splilum Endalaust” não conseguiam afastar. Pelo meio, Jónsi trabalhava a solo e, mais recentemente, os Sigur Rós tiveram a honra de recriar o tema da série “The Simpsons” enquanto libertavam, a conta gotas, parcelas sonoras de “Kveikur” (ler Quaker), sendo que os primeiros singles deste novo trabalho foram “Brennisteinn” e “Isjaki”.

A expetativa era grande, ainda para mais sendo a primeira vez que os Sigur Rós editavam dois discos de originais em tão curto espaço de tempo. Mas as novidades não ficam por aqui. A saída do multi-instrumentalista Kjartan Sveinsson em 2012 deixava agora a banda num formato (power) trio com Jónsi, Georg e Orri a apostarem num som mais direto, pesado, intenso. Ainda que mantendo a tendência onírica na sua globalidade sonora, os Sigur Rós de “Kveikur” mostram o seu lado mais “noisy”, algo que sempre esteve latente, embora mais escondido nas composições da banda.

Em 2013, estamos perante a fase mais “escura” dos Sigur Rós, embora carregada de uma melancolia e fúria que extravasa a beleza etérea, algo que só encontra paralelo com o cerimonial “()”, trabalho onde se procurava a sombra para lá do brilho, onde os tons cinza davam outra cor aos raios de luz desta música sem paralelo.

Com uma capacidade única de reinventar conceitos e direções musicais, estes islandeses deixaram para trás há muito o complexo de ser a banda de “Ágaetis Byrjun” e com este novo disco procuram um novo caminho afastando a entropia instalada. Ainda assim, importa realçar que o post rock que os Sigur Rós sempre fizeram, como ninguém, diga-se, é uma fórmula difícil de contrariar. Mesmo o menos conseguido “Valtari” é um disco que atinge patamares de produção brilhantes, com composições glaciares que são verdadeiras paisagens sonoras, onde o sonho é a perfeição a alcançar.

Mas fazer arte é contrariar, é reconstruir, é seguir em frente. E isso sente-se logo nos primeiros momentos de “Kveikur”, onde a estática assume o controlo do ambiente, para num ápice ser alvo de uma avalancha de baixo e elementos eletrónicos que remetem para ambientes mais “pesados”. Ao longo de mais de sete minutos, experimentamos o pesadelo e o sonho em “Brennisteinn”, que a meio do caminho sente o falsete da voz de Jónsi numa acalmia brilhante, a fazer recordar algumas paisagens da pequena e maravilhosa Islândia.

A segunda música de “Kveikur”, “Hrafntinna” nasce com o som de vários metais que ficam em segundo plano, após a chegada de um voz marcada por evocações fantasmagóricas, que cresce com uma melodia élfica e adorável. Mais uma vez, não precisamos de entender o que canta Jónsi para abraçar de forma incondicional os versos dos Sigur Rós. Ao longo de toda a composição sente-se a habitual tensão na música e as sincopadas batidas de Orri são um apetecível lamento face à contenção do baixo de Georg. Nos momentos mais épicos de “Hrafntinna” os metais ajudam a compor o cenário e, quais anjos caídos, os Sigur Rós estão a meio caminho entre o Inferno e o Céu.

E é novamente a bateria que abre “Isjaki”, uma das composições mais pop de “Kveikur”, que acentua a capacidade inata que os Sigur Rós têm em fazer excelentes canções. Apetece juntar os sons e cantar ou fazer uma imitação do canto especial de Jónsi. Os fragmentos electrónicos dão corpo ao tema, a harmonia é total e, quando chegamos aos momentos finais de “Isjaki”, sentimos a nostalgia dos seus primeiros segundos.

Continuando numa atmosfera mais perto do silêncio, “Yfirboro” lança-se de forma tranquila e nostálgica ao longo de pouco mais de quatro minutos, sendo uma das mais curtas das canções de “Kveikur”. A toada maquinal das batidas surge amiúde e os metais sentem-se ao fundo, enquanto a voz adquire momentos de alguma solenidade sónica e fantasmagórica entre laivos de falsete.

“Stormur” traz consigo mais minutos de brilhantismo sonoro, com um tímido piano a marcar pontos face aos restantes instrumentos, ainda que a bateria seja um elemento muito presente. Eis-nos perante mais um momento que transpira um sentido pop único e descarado.

Mais introspetivo e “metálico”, o tema-título faz regressar um mundo mais opressivo e repleto de ecos oriundos de um sub-solo de toadas mais escuras. A voz de Jónsi luta contra a conformidade e a bateria assume-se como um rolo compressor. Eis-nos no purgatório que é “Kveikur”, um disco que marca uma nova fronteira na criação da banda islandesa. Poderoso, intimista e transgressor, este tema faz lembrar os momentos mais intensos de “Pooplagio”, onde o feedback aparece sem ser anunciado. Um dos pontos altos de todo o disco.

Depois da tempestade, a bonança. “Rafstraumur” traz de regresso a luz e o falsete de Jónsi, num crescendo assente numa irresistível luta entre bateria e guitarra, assentes numa harmonia épica que vai acompanhar as seguintes faixas do disco, agora menos pesadas, menos densas, mas seguramente tão ou mais bonitas que as anteriores.

Até ao final do álbum temos ainda “Bláprádur” e “Var, duas faixas que diferem entre si em termos da própria definição de “Kveikur”, entre tons mais audazes e potentes e o silêncio. Se “Bláprádur” parte da intimidade das cordas para momentos mais expressivos sonoramente, ainda que longe do caos da faixa de abertura, “Var” é um exercício instrumental pautado pela graciosidade do piano, que vai perdendo a intensidade face a outros sons que assumem por completo o final de “Kveikur”.

Por cada passo em frente que os Sigur Rós deram com “Kveikur” fica a ideia de estarmos perante o disco mais importante dos últimos anos destes maravilhosos músicos islandeses. Sem colocar em causa a genialidade da sua música, Jónsi e comparsas afastaram-se da inércia de “Valtari”e fazem um disco brilhante que reinventa os cânones do post rock.

Hoje, enquanto trio, os Sigur Rós, voltam a construir canções de abismal genialidade feitas de uma forma honesta, direta e mais agressiva e que não colocam em causa toda a trajetória anterior da banda. Aquilo que encontramos em “Kveikur” é a expansão de um som que soube crescer na forma certa, sem elementos supérfluos, e que explode nos nossos ouvidos como o despertar de um vulcão por terras islandesas.

Alinhamento:
01. Brennisteinn
02. Hrafntinna
03. Isjaki
04. Yfirboro
05. Stormur
06. Kveikur
07. Rafstraumur
08. Bláprádur
09. Var

Classificação do Palco: 9/10

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