quinta-feira, 27 de junho de 2013

“DISNEY EPIC MICKEY 2: O REGRESSO DOS HERÓIS”
PS VITA

A montanha pariu um rato



Quando no final do ano passado a Disney Interactive Studios lançou a sequela do interessante e bem-sucedido Epic Mickey, um dos títulos mais simbólicos da Wii, esperava-se muito de “Disney Epic Mickey 2: O Regresso dos Heróis”.

Numa atitude quase consensual a crítica especializada gritou em coro as insuficiências que o jogo apresentava ainda que salienta-se o potencial que a nova aventura gráfica do conceituado Warren Spector proporcionasse onde a criação da Wasteland (Terra do Nada) pontificava como uma das mais significativas façanhas.

Passados alguns meses, a Sony decidiu pegar neste jogo e “rentabilizar” o mesmo junto da sua consola Vita, máquina conhecida pela sua versatilidade nomeadamente no que toca ao painel frontal e traseiro, onde a técnica touch screen apresenta uma miríade de possibilidades.

Para quem não está familiarizado com a trama deste jogo de plataformas, estamos perante mais uma aventura com a especial ambiência do mundo criado por Walter Disney onde o rato mais conhecido do planeta é o principal protagonista ainda que conte com a preciosa ajuda de Oswald, o Coelho Sortudo, o vilão da primeira aventura.

“Disney Epic Mickey 2” faz-nos regressar à Terra do Nada, local onde habitam as personagem esquecidas, e que está sob a ameaça de Mancha – uma terrível criatura que nasceu acidentalmente enquanto Mickey se divertia com o pincel mágico – e jurou acabar com tudo e todos.

Tentando desfazer o seu erro, Mickey aventura-se pela Terra do Nada e descobre em Oswald um (agora) aliado que o vai ajudar a combater os seus inimigos. Com este novo parceiro, um balde cheio de tinta, um pincel mágico e diluente para apagar alguns cenários, a esperança resiste num local que tem nos misteriosos terramotos outros dos seus problemas.

Mas as más notícias não acabam aqui pois o Doutor Louco – que em tempos quis roubar o coração a Mickey – está de regresso e apregoa a paz, algo que gera desconfiança nos nossos heróis.
Os dados estão lançados para mais uma horas de puro prazer frente à consola mas, também na Vita, o resultado final está longe de ser o mais conseguido. Se a Terra do Nada apresenta-se como um verdadeiro parque temático à imagem daquilo que de melhor a Disney já provou ser capaz, com uma qualidade gráfica e um design irrepreensível (mérito da Junction Point Studios), a jogabilidade deste título é uma das suas lacunas.



Infelizmente tem sido este o veredicto habitual nos jogos em que os super-heróis animados passam a respirar dentro das consolas, sendo que por vezes o sucesso relativo de alguns casos se deva mais à nostalgia que os personagens carregam do que a qualidade do jogo em si.

Ainda que a primeira versão de “Epic Mickey” estivesse uns furos acima desta sequela também registava momentos em que a narrativa superava, sobremaneira, a ação do jogo. A supremacia da iconografia era evidente face à desinspirada jogabilidade. A visibilidade que Mickey, um dos maiores ícones pop animados do mundo, goza no grande e pequeno ecrã esbarra na monotonia da sua vivência enquanto estrela dos jogos de vídeo.

A fábula que “Disney Epic Mickey 2” procura oferecer acaba por ser uma desilusão e não afasta os já registados problemas das edições deste jogo para as várias plataformas. Perante o potencial deste jogo é frustrante a sua análise global.

Ainda assim as funcionalidades Vita possibilitam uma maior interatividade. É divertido usar o ecrã frontal para pintar ou apagar o cenário (a ideia de recolocar os cenários numa versão esboço é muito interessante e bem conseguida), é motivante conduzir Mickey através dos sensores de movimento ou utilizar a câmara versátil mas, infelizmente, pouco mais há de positivo a registar. O facto de haver a possibilidade de ser jogar de forma cooperativa (Olá Oswald!) não traz grandes novidades.

Algo que pode ajudar a formar uma ideia global deste jogo é a excelência dos pequenos filmes animados que servem de interlúdio à própria ação. Com um traço fantástico e uma toada musical muito eficaz (excelente, por exemplo, o primeiro vídeo do jogo que assinala o regresso do Doutor Louco) são estes os momentos mais bem conseguidos do jogo. E se tal arte se sobrepõe à própria ação, algo, dizemos nós, não está bem.

Uma das surpresas mais agradáveis deste título é o preço aplicado, pois é possível descarregar o jogo da PlayStation Store por €14,99.

In Rua de Baixo

JOANA PEREIRA DA SILVA
Entrevista

«Eu gosto de escrever de tudo um pouco, peças, livros, argumentos de filmes ou guiões de sitcoms. Neste momento estou a começar um novo romance e a terminar uma peça.» Entrevista com a autora de “Quando a Chuva Parar”.



Um pequeno romance ou um grande poema. A dúvida fica depois de se ler “Quando a Chuva Parar”, o novo livro de Joana Pereira da Silva, que integra a coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção”, responsabilidade da editora Guerra & Paz. Em 2002 abraçou e sonho da escrita e tem o desejo de fazer mais e melhor. Agora que o verão chegou e a chuva – esperemos – parou, aproveitámos a bonança para trocar algumas ideias com a autora.

“Quando a Chuva Parar” é o seu segundo romance. Quais as principais diferenças entre a sua mais recente obra e “SGPS, Sexys, Giras, Porreiras, Solteiras”, obra que data de 2006?

Talvez a maior diferença seja a maneira como está escrito, só existem diálogos, muito curtos e rápidos. Não há descrições. Ficamos a conhecer as personagens apenas através do que elas dizem.

O que a levou a fazer um livro como “Quando a Chuva Parar”? Estamos perante uma espécie de “Road Book” no feminino…

É engraçado chamar-lhe “road book”, foi o nome que me veio à cabeça quando o terminei. O primeiro título era “Porto – Lisboa”.

Os seus livros revelam uma visão particular do mundo feminino e remetem os leitores para um universo de certa forma ligado a conhecidas séries de televisão como “Donas de Casa Desesperadas” ou “O Sexo e a Cidade”. O seu público-alvo é o chamado “sexo forte”?

Não escrevo para um público-alvo, e se calhar devia fazê-lo. Essa preocupação não está na minha cabeça, mas admito que as mulheres gostem de ler os meus livros. Algumas confessam que se identificam com os temas que trato, no entanto fico contente quando sei que há muitos homens que também gostam de os ler, acham graça.

Apesar de ter abraçado a paixão pela escrita desde 2002, o que leva alguém que estudou História e dedicou parte da sua vida à publicidade e marketing a largar tudo e começar a escrever?

Desde pequena que tinha este sonho. O meu Pai escrevia muito bem e era um grande contador de histórias. Para nos entreter (somos sete irmãos) contava-nos histórias à mesa, enquanto comíamos. Dividia as histórias em 3 partes, como uma peça clássica. Os 3 actos eram: a sopa, o prato e a sobremesa. Acho que lhe devo o gosto por bons finais. Isto tudo para dizer que História tem a ver com “estórias” e Marketing tem a ver com “storytelling” de produtos. Acho que encontrei na escrita uma forma de usar a minha imaginação e criatividade.

É autora de uma peça de teatro, “O ABC da Mulher”, que teve honras de ser exibida num canal de televisão nacional. Gostaria de voltar a esse registo ou os livros são a sua grande prioridade no momento?

Eu gosto de escrever de tudo um pouco, peças, livros, argumentos de filmes ou guiões de sitcoms. Neste momento estou a começar um novo romance e a terminar uma peça. Fora os guiões que escrevo no dia-a-dia.

O seu livro foi um dos escolhidos para lançar a coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção” da editora Guerra & Paz. O que significa para si integrar um projeto como este?

Fiquei muito contente. O projecto é muito original e espero que tenha sucesso. Para quem gosta muito de ler é bom que haja livros pequenos, de qualidade e a preço acessível a todas as bolsas.

Pegando no mote da referida coleção, como definia este seu livro em poucas palavras…

Em poucas palavras, recorro ao que disseram dois amigos, em quem confio: “Quando a Chuva Parar “ não é fácil de classificar, está algures entre um romance pequeno e um poema grande.

In Rua de Baixo

“VIVER NA NOITE”
de DENNIS LEHANE

Boston a ferro e fogo



Um dos autores mais consagrados da sua geração, Dennis Lehane, regressa com mais um excelente título, que tem como pano de fundo o período da Lei Seca norte-americana durante os anos 1920.
Depois de obras como “Gone, Baby, Gone”, “Shutter Island”, Mystic River” ou “Terra de Sonhos”, Lehane continua a encantar os seus fãs com mais uma aventura que traz consigo muita adrenalina, amor, vingança, violência e redenção.

O mundo do crime e os tentáculos da máfia são descritos por Lehane de uma forma sublime em “Viver na Noite”, mais uma cuidada edição da Sextante Top. O livro volta a revelar toda a mestria da escrita do autor natural do Massachusetts que carrega consiga uma emoção latente, alicerçada em maravilhosas descrições, diálogos emotivos e cativantes, peripécias que deixam o leitor completamente absorvido, assim como uma paixão que desafia as leis criadas pelo Homem.

Fã incondicional das desventuras escritas de Dennis Lehane, Ben Affleck já resgatou “Viver na Noite” ao seu autor e teremos novamente um romance do escritor norte-americano nas salas de cinema, algo que já tinha acontecido com os já referidos “Mystic River” ou “Shutter Island”.

Tal como em outras obras de Lehane, “Viver na Noite” é uma apaixonante aventura onde o desafio da Lei é algo mais que uma simples quebra social. Joe Coughlin, o mais novo rebento de um reputado capitão da Polícia de Boston, é um jovem ambicioso que rejeitou determinantemente a edução rígida de um núcleo familiar (des)funcional, procurando a fortuna fácil no seio de uma comunidade que tem, no contrabando e distribuição do proibido álcool, o seu maior mercado.

O crime parece compensar para Joe, e a capacidade de seguir um caminho errante leva-o a envolver-se numa guerra entre bandos locais onde o mote é não confiar em ninguém. Na companhia dos irmãos Bartolo, Joe decide assaltar um dos mais conhecidos antros de jogo ilegal, local explorado pelo gangster Albert White, e vê a sua alma assaltada pela paixão por Emma Gould, amante de White. Durante a ação Joe não resiste aos olhos de Emma e trava um decisivo diálogo com a mulher que lhe roubaria a alma e coração. Depois disso nada será como dantes e Joe e Emma envolvem-se num tórrido envolvimento, em que a frieza e calculismo de um e a entrega de outro serão decisivos para o desenvolvimento de uma estória que prende, literalmente, o leitor da primeira à última página.

A corrupção, o suborno, a morte, a traição e o amor são alguns dos elementos chave neste “Viver na Noite”, que tem na brilhante descrição de uma comunidade e conjuntura alguns dos seus grandes atrativos. Lehane revela também uma excelente capacidade de dar a conhecer ao leitor laços familiares dúbios que, por estranho que pareça, ligam as personagens numa cumplicidade comovente que o bulício urbano ou as questões raciais tendem a afastar.

Para além de ser um interessante livro, “Viver na Noite” é sinónimo de um dos períodos mais conturbados da história social e económica dos Estados Unidos da América, e da vontade individual de algumas pessoas em contrariar um sistema em falência consigo próprio e com a clara noção de que o seu destino mais provável será a morte ou a celebração de um vício pecaminoso.

Se gosta de um romance (muito) bem escrito cuja intriga assenta num labirinto de ficção criminal onde o gato por vezes assume a função do rato, “Viver na Noite” é a escolha certa.

In Rua de Baixo

terça-feira, 25 de junho de 2013

ANA ZANATTI
Entrevista

«Penso que atravessamos um período de grande dispersão, demasiada informação, de culto do efémero e total alienação das nossas verdadeiras urgências.» Entrevista com a autora de “E Onde é que Está o Amor?” 



Dona de uma das vozes mais bonitas do nosso imaginário, Ana Zanatti volta a colocar a ênfase do seu discurso em formato livro. “E Onde é que Está o Amor?” é um livro de uma simplicidade e pertinência desarmantes, que traz à tona o melhor e o pior de nove pessoas que se reúnem para falar da sua vida, real como convém. A propósito desta edição falámos com a autora sobre a existência, as pessoas, o pecado e descobrimos, afinal, onde está o amor…

Fez a sua estreia no romance de ficção com “Os Sinais do Medo”, regressando agora com “E Onde Está o Amor?”, oito anos depois de “Agradece o Beijo”. Porque este hiato tão grande?

Apenas falta de disponibilidade para me dedicar à escrita de um novo romance que implica bastante tempo físico e disponibilidade interior. Dentro do tempo de que dispunha, fui escrevendo e publicando alguns contos infantis: “O Planeta Adormecido”, “A grande travessia” – que completaram a trilogia de “O Povo Luz e os Homens Sombra” – e “Teodorico e as Mães Cegonhas”; fui também escrevendo poesia, que deverá ser publicada em parte ainda este ano.

“E Onde Está o Amor?” é um romance ficcionado, mas os personagens são bastante reais. Onde se inspirou para fazer nascer estas nove almas atormentadas? 

Como em tudo o que escrevo, na vida que me cerca. É lá que encontro inspiração para as personagens dos livros e para as suas histórias. As personagens deste livro não fugiram à regra, estou atenta, oiço, vejo e também me escuto, observo e retiro daí matéria para escrever sobre assuntos que me suscitam reflexão.

No perfil destas personagens a solidão e o receio de comunicar os seus dramas são características comuns entre si. Pensa que a sociedade atual empurra o indivíduo para dentro de si mesmo impedindo a sua exteriorização? 

Penso que atravessamos um período de grande dispersão, demasiada informação, de culto do efémero e total alienação das nossas verdadeiras urgências. Um período em que se ignora e deturpa a essência do que nos move, que nos leva a perdermo-nos de nós próprios e dos outros, iludindo-nos com uma comunicação e informação rápida que parece aproximar-nos mas que traz com ela um enorme vazio.

Este livro abre a coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção”. Como surgiu o convite de fazer parte deste interessante projeto?

Conheci o Manuel da Fonseca, director e dono da Guerra e Paz, quando escrevi um texto à laia de prefácio para o livro do Daniel Oliveira e, mais tarde, o apresentei a convite dele. Pouco tempo depois, o Manuel da Fonseca convidou-me para participar nesta colecção.

Tornou-se uma figura conhecida através da televisão enquanto atriz e apresentadora, fez teatro e cinema. A que determinada altura da vida sentiu o “bichinho” da escrita? Sabemos que antes dos livros teve experiência enquanto cronista na imprensa…

Sim, tinha escrito para o “Sete”, para a Elle, para a Egoísta e outras revistas e escrevia letras para canções. De resto, escrevia para mim, faço-o desde sempre, e nunca tinha publicado. Um dia, tomei balanço e escrevi o primeiro romance que apresentei à D.Quixote, e foi assim que comecei a publicar.

Em alguns dos seus livros fala de assuntos tabu como, por exemplo, a homossexualidade. Acha que a solidão é também uma espécie de assunto proibido?

É difícil, para quem sofre de solidão, falar disso aos outros. É difícil, no geral, falarmos de nós, do que sentimos a um nível mais profundo. Por vezes nem nós próprios temos o hábito de mergulhar dentro de nós, de nos auscultarmos e a vida hoje, convida-nos a tudo menos a reflectir. Corremos o dia todo, chegamos esgotados ao fim do dia e há pouco espaço para nos escutarmos a nós ou escutarmos os amigos. Iludimos a nossa solidão com mil afazeres e programas, com mil distracções e alienações, mas há sempre um dia em que o encontro connosco se impõe e, quanto mais tarde ele vem, mais duro se pode tornar.

Numa entrevista disse, em tempos, que “tudo o que dá prazer é pecado”. Mantém essa ideia?

Para mim não, mas segundo os mandamentos da lei de Deus, cujo conteúdo quanto a mim foi deturpado, assim se propaga essa ideia. Somos um país maioritariamente católico em que o prazer, em vez de ser celebrado, é visto com maus olhos.

O que podemos esperar de Ana Zanatti nos próximos tempos? Mais livros, regresso ao teatro, cinema? Que “pecado” gostaria de provar ou voltar a sentir?

Tenho projectos essencialmente de escrita, mas a minha vida é uma surpresa constante e não sei o que posso vir a fazer daqui a um mês. Vou avançando tranquilamente com o que tenho para pôr em prática, lançando as minhas sementes, tentando não me desviar demasiado do meu caminho interior e, o resto logo se verá. Não gosto de compromissos de longo prazo, nem traço linhas rígidas. Às vezes a vida traz-nos boas surpresas e gosto de estar disponível para elas.

Para si, onde está o amor?

Sem qualquer dúvida dentro de mim. De nada serve procurá-lo fora sem o ter primeiro encontrado dentro.

In Rua de Baixo

sexta-feira, 21 de junho de 2013

“CAMILLE CLAUDEL, 1915”
de Bruno Dumont

A irresistível tristeza do crime da existência



Quem conhece a obra do cineasta Bruno Dumont sabe que o seu cinema é sinónimo de um mundo cru, repleto de paisagens inóspitas, com a violência e o sexo a roçar o gratuito e os silêncios a apoderarem-se de forma abrupta da tela. Estes singulares predicados, que reflectem a forma como o realizador francês se movimenta na sétima arte, levantavam grandes dúvidas sobre este “Camille Claudel, 1915”.

Toda a tragédia que vitima Camile Claudel era, à partida, o maior desafio que Dumond iria enfrentar. A escultora que teve uma ligação sentimental com Auguste Rodin e que, dizem alguns, pode ter sido essa a razão para que a sua mente ultrapassasse a fronteira da sanidade, passou as últimas décadas da sua existência num hospício onde enfrentou terríveis abstinências provocadas pelos danos colaterais de uma vida marcada por uma perda da condição humana e anulação pessoal.

Mas eis que ao conhecer-se este filme, vemos um outro Dumont, um homem que ignorou o sexo e a violência (física), para dedicar toda a sua arte a fazer um retrato da vida de Claudel aquando do seu internamento e que se revela num quotidiano forte, instigador, que a presença de não-actores e possuidores de distúrbios mentais diversos ajuda a reforçar a pesada, cruel e grotesca atmosfera.

Este é também o primeiro filme de Dumond cujo papel principal é atribuído a uma verdadeira estrela, neste caso a Juliette Binoche, uma das últimas divas do cinema europeu e que se entrega de forma irrepreensível ao incorporar Camille conseguindo criar um personagem inquietante, emersa em várias camadas emotivas e que cativa pela autenticidade.

A primeira tentativa de levar a vida de Camille Claudel para o grande ecrã foi levada a cabo por outro Bruno, Nuytten de apelido, que conseguiu criar furor com a sua adaptação cinematográfica conseguindo mesmo levar Isabelle Adjani a estar entre as nomeadas para o Óscar.

Hoje, 25 anos depois de Nuytten, cabe à arte de Dumont voltar a colocar a vida de Claudel em foco, mas desta vez recorrendo a facetas menos conhecidas da escultora que viveu momentos fracturantes enquanto esteve internada. Numa das cenas mais marcantes deste filme, Binoche, aqui Claudel, grita o seu desespero pela companhia que desfruta, abominando a severidade opressiva de tais criaturas. Apesar de encarnar na perfeição o seu desgastado personagem é impossível não reparar, e adorar, os traços inatos de uma beleza que teima em ficar, em permanecer apesar do avançar do calendário.

Ainda que Claudel se sinta sitiada pela loucura (alheia), Dumont consegue colocar a personagem numa ilha de sanidade através de uma narrativa que faz a fronteira entre a perda de lógica e um momentâneo lapso da razão. Exemplo disso é um das cenas inaugurais do filme onde Camille toma a sua refeição juntamente com as suas companheiras de clausura mas num patamar distante. Ainda que fazendo parte do todo, Claudel é o retrato da racionalidade perante tais exemplos desprovidos de sentido.

A maior fonte de inspiração deste filme é a correspondência que Camille trocou com o seu irmão Paul (Jean-Luc Vincent), também ele um famoso poeta e dramaturgo, sendo que o filme começa quando a versão de Nuytten termina, ainda que não estejamos perante uma qualquer sequela, apresentando uma Camille cativa no hospício e que tem nas visitas do seu irmão o tão ansiado oxigénio que pode ser encarado como um sinónimo de esperança, de liberdade, de afectos.

A atmosfera geral que Dumont dá a este trabalho tem logo nos primeiros instantes uma tentativa de definição e, por exemplo, o caminho que Camille faz por entre os corredores mostra uma via-sacra marcada pelos tons medievais, solenes e opressivos da própria instituição aqui filmada de forma meticulosa e com tonalidade cinza-azulada, cores que trazem à memória as pinturas do holandês Johannes Vermer.
Fechada em si mesma, Camille observa os que a rodeiam com um misto de curiosidade, repudio e, por vezes, afectividade, escondendo dentro da sua mente atribulada medos díspares entre os quais o desesperado sentimento que a leva a crer que o seu antigo amante e professor, Rodin, a quer envenenar.

Curiosamente, Dumont “ignora” a arte de Claudel mas apresenta a escultura do seu rosto através de planos calculados e preci(o)sos. Metaforicamente também as companheiras loucas de Claudel se podem assemelhar a esculturas, neste caso a verdadeiras “gárgulas” de fria pedra que compõem a zona dos claustros desta instituição.

O receio da escultora, na forma da bela Binoche, assume-se desmesuradamente maior quando o nome do antigo amante da sua personagem é citado, por exemplo, pelo psiquiatra local (Robert Leroy) cuja menção leva a uma agitada reacção por parte de Camille.

Nas cenas de maior intensidade Dumont “cola” a câmara ao rosto de Binoche e faz o seu monólogo entrar dentro dos olhos e mente do espectador revelando uma mulher em constante luta consigo própria, enfrentando sentimentos que vão acabar por destruir a sua capacidade de viver. A arte da sugestão tão do agrado de Dumont incendeia a plateia e os grandes panos são a fonte mais procurada para conferir um acentuado grau de intimidade.

Outra técnica usada pelo cineasta é composta por uma narrativa “circular” da imagem que dá ao espectador uma sensação de uma visão de 360 graus. Num interessante jogo de espelhos, a câmara fixa de Dumont percorre pormenores, voltando aos mesmos numa mesma sequência.

Na segunda metade deste “Camille Claudel, 1915” a narrativa muda e a perspectiva das viagens de Paul são o maior foco de atenção. Filosofa-se, fala-de Deus, da natureza e de Rimbaud. Essa mudança peca por alguma menor densidade emocional mas permite uma achega de Dumont ao misticismo católico e ao quotidiano infernal que se vive em Montdevergues.

Esta viagem metafísica de Paul serve, essencialmente, para libertar a pressão do cativeiro que é vivido pela sua irmã atribuindo uma forma especial de (des)conforto tal se vive na cena final. Se, noutras ocasiões, as derradeiras cenas das obras de Dumont sejam por norma inconclusivas, aqui não se pretende deixar dúvidas ou alimentar suspeitas pois o argumento está enclausurado em si mesmo e tem nos “letreiros” iniciais e finais uma forma de contextualização.

In Rua de Baixo

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sigur Rós
"Kveikur"

Canções de amor e ódio



Há sensivelmente um ano, os Sigur Rós editavam “Valtari”, um álbum muito ambiental e eletrónico que remetia para um universo mais cinematográfico. Ainda que tais características não fossem desconhecidas para a banda islandesa, sentia-se que Jónsi e seus pares caminhavam para um beco sem saída.

Depois de “Takk”, definitivamente um dos discos mais brilhantes dos Sigur Rós, o grupo natural de Reiquiavique estava a cair numa letargia musical que discos como “Meo Suo í Eyrum vio Splilum Endalaust” não conseguiam afastar. Pelo meio, Jónsi trabalhava a solo e, mais recentemente, os Sigur Rós tiveram a honra de recriar o tema da série “The Simpsons” enquanto libertavam, a conta gotas, parcelas sonoras de “Kveikur” (ler Quaker), sendo que os primeiros singles deste novo trabalho foram “Brennisteinn” e “Isjaki”.

A expetativa era grande, ainda para mais sendo a primeira vez que os Sigur Rós editavam dois discos de originais em tão curto espaço de tempo. Mas as novidades não ficam por aqui. A saída do multi-instrumentalista Kjartan Sveinsson em 2012 deixava agora a banda num formato (power) trio com Jónsi, Georg e Orri a apostarem num som mais direto, pesado, intenso. Ainda que mantendo a tendência onírica na sua globalidade sonora, os Sigur Rós de “Kveikur” mostram o seu lado mais “noisy”, algo que sempre esteve latente, embora mais escondido nas composições da banda.

Em 2013, estamos perante a fase mais “escura” dos Sigur Rós, embora carregada de uma melancolia e fúria que extravasa a beleza etérea, algo que só encontra paralelo com o cerimonial “()”, trabalho onde se procurava a sombra para lá do brilho, onde os tons cinza davam outra cor aos raios de luz desta música sem paralelo.

Com uma capacidade única de reinventar conceitos e direções musicais, estes islandeses deixaram para trás há muito o complexo de ser a banda de “Ágaetis Byrjun” e com este novo disco procuram um novo caminho afastando a entropia instalada. Ainda assim, importa realçar que o post rock que os Sigur Rós sempre fizeram, como ninguém, diga-se, é uma fórmula difícil de contrariar. Mesmo o menos conseguido “Valtari” é um disco que atinge patamares de produção brilhantes, com composições glaciares que são verdadeiras paisagens sonoras, onde o sonho é a perfeição a alcançar.

Mas fazer arte é contrariar, é reconstruir, é seguir em frente. E isso sente-se logo nos primeiros momentos de “Kveikur”, onde a estática assume o controlo do ambiente, para num ápice ser alvo de uma avalancha de baixo e elementos eletrónicos que remetem para ambientes mais “pesados”. Ao longo de mais de sete minutos, experimentamos o pesadelo e o sonho em “Brennisteinn”, que a meio do caminho sente o falsete da voz de Jónsi numa acalmia brilhante, a fazer recordar algumas paisagens da pequena e maravilhosa Islândia.

A segunda música de “Kveikur”, “Hrafntinna” nasce com o som de vários metais que ficam em segundo plano, após a chegada de um voz marcada por evocações fantasmagóricas, que cresce com uma melodia élfica e adorável. Mais uma vez, não precisamos de entender o que canta Jónsi para abraçar de forma incondicional os versos dos Sigur Rós. Ao longo de toda a composição sente-se a habitual tensão na música e as sincopadas batidas de Orri são um apetecível lamento face à contenção do baixo de Georg. Nos momentos mais épicos de “Hrafntinna” os metais ajudam a compor o cenário e, quais anjos caídos, os Sigur Rós estão a meio caminho entre o Inferno e o Céu.

E é novamente a bateria que abre “Isjaki”, uma das composições mais pop de “Kveikur”, que acentua a capacidade inata que os Sigur Rós têm em fazer excelentes canções. Apetece juntar os sons e cantar ou fazer uma imitação do canto especial de Jónsi. Os fragmentos electrónicos dão corpo ao tema, a harmonia é total e, quando chegamos aos momentos finais de “Isjaki”, sentimos a nostalgia dos seus primeiros segundos.

Continuando numa atmosfera mais perto do silêncio, “Yfirboro” lança-se de forma tranquila e nostálgica ao longo de pouco mais de quatro minutos, sendo uma das mais curtas das canções de “Kveikur”. A toada maquinal das batidas surge amiúde e os metais sentem-se ao fundo, enquanto a voz adquire momentos de alguma solenidade sónica e fantasmagórica entre laivos de falsete.

“Stormur” traz consigo mais minutos de brilhantismo sonoro, com um tímido piano a marcar pontos face aos restantes instrumentos, ainda que a bateria seja um elemento muito presente. Eis-nos perante mais um momento que transpira um sentido pop único e descarado.

Mais introspetivo e “metálico”, o tema-título faz regressar um mundo mais opressivo e repleto de ecos oriundos de um sub-solo de toadas mais escuras. A voz de Jónsi luta contra a conformidade e a bateria assume-se como um rolo compressor. Eis-nos no purgatório que é “Kveikur”, um disco que marca uma nova fronteira na criação da banda islandesa. Poderoso, intimista e transgressor, este tema faz lembrar os momentos mais intensos de “Pooplagio”, onde o feedback aparece sem ser anunciado. Um dos pontos altos de todo o disco.

Depois da tempestade, a bonança. “Rafstraumur” traz de regresso a luz e o falsete de Jónsi, num crescendo assente numa irresistível luta entre bateria e guitarra, assentes numa harmonia épica que vai acompanhar as seguintes faixas do disco, agora menos pesadas, menos densas, mas seguramente tão ou mais bonitas que as anteriores.

Até ao final do álbum temos ainda “Bláprádur” e “Var, duas faixas que diferem entre si em termos da própria definição de “Kveikur”, entre tons mais audazes e potentes e o silêncio. Se “Bláprádur” parte da intimidade das cordas para momentos mais expressivos sonoramente, ainda que longe do caos da faixa de abertura, “Var” é um exercício instrumental pautado pela graciosidade do piano, que vai perdendo a intensidade face a outros sons que assumem por completo o final de “Kveikur”.

Por cada passo em frente que os Sigur Rós deram com “Kveikur” fica a ideia de estarmos perante o disco mais importante dos últimos anos destes maravilhosos músicos islandeses. Sem colocar em causa a genialidade da sua música, Jónsi e comparsas afastaram-se da inércia de “Valtari”e fazem um disco brilhante que reinventa os cânones do post rock.

Hoje, enquanto trio, os Sigur Rós, voltam a construir canções de abismal genialidade feitas de uma forma honesta, direta e mais agressiva e que não colocam em causa toda a trajetória anterior da banda. Aquilo que encontramos em “Kveikur” é a expansão de um som que soube crescer na forma certa, sem elementos supérfluos, e que explode nos nossos ouvidos como o despertar de um vulcão por terras islandesas.

Alinhamento:
01. Brennisteinn
02. Hrafntinna
03. Isjaki
04. Yfirboro
05. Stormur
06. Kveikur
07. Rafstraumur
08. Bláprádur
09. Var

Classificação do Palco: 9/10

In Palco Principal

terça-feira, 18 de junho de 2013

THE BREEDERS
“LSXX”

Big Deal!



Vinte anos. Passaram duas décadas. As músicas ficaram, para sempre. Os Pixies morriam, as Throwing Muses extinguiam-se, os Belly não aqueceram o lugar. O que havia em comum nestas bandas? Um selo, a 4AD, e uma deliciosa ambiência (dream)pop, rock, trash, surf, noise.

Projecto de Kim Deal (baixista dos seminais Pixies), as Breeders tocaram o seu primeiro concerto no longínquo ano de 1992 e tinham como elementos convidados Josephine Wiggs e Jim Macpherson. Sem grandes ensaios, dois dias depois, faziam a primeira parte dos Nirvana por terras de Belfast para mais tarde integrarem o cartaz do Festival Glastonbury. O comboio arrancava a todo o vapor.

Antes, na aurora dos anos 1990, nos intervalos da digressão europeia de “Surfer Rosa” que juntou os Pixies e as Throwing Muses, Kim Deal e a guitarrista Tanya Donelly viam com bons olhos a existência de projectos paralelos às suas bandas de eleição e começaram a investir numa ideia nova e, aos poucos, surgiu “Pod” o primeiro disco das Breeders. Steve Albini, que já tinha colaborado com a banda de Deal e Black Francis, deu uma ajudinha e, apesar do insucesso comercial do álbum, a crítica não o ignorou. Quem estava deliciado com o disco era Kurt Cobain que realçava as qualidades de Deal na escrita de canções

Entretanto, os Pixies lançariam “Bossanova” e “Trompe Le Monde” entre 1990 e 1991 mas sentia-se que a banda estava a perder algum fulgor. Sem ser segredo, Black Francis queria fazer coisas novas, arriscar em algo a solo. Apostada em não ficar de braços cruzados, Kim Deal convidava amigos e partia para estúdio. Dessas sessões sairia “Safari EP”.

Já com a sua irmã Kelley na banda, Jim Macpherson na bateria e a multi-instrumentalista Josephine Wiggs, as novas Breeders entravam em estúdio em Janeiro de 1993 e seis meses mais tarde “Last Splash” via a luz do dia. O disco soa(va) bastante experimental, cru, directo e honesto e chega hoje, vinte anos depois, com um sabor de autenticidade que não se perdeu ao longo da sua existência.

As 15 faixas do disco fazem jus a um espírito muito especial e as influências misturavam-se entre si com toda a naturalidade. Se «New Year», a faixa inaugural de “Last Splash”, combina riffs que se prolongam entre feedbacks cheios de ganas e mudanças de ritmo alucinantes, «Mad Lucas» assemelha-se a uma valsa dolente e «I Just Wanna Get Along» é um exemplo de puro rock com tiradas geniais como: “if you’re so special, why aren’t you dead?”.

No fundo, “Last Splash”, e sendo honestos, não diferia muito da globalidade da música dos Pixies mas podemos afastar definitivamente a ideia errónea de que a banda de «Here Comes Your Man» era apenas fruto do trabalho e entrega do seu líder e vocalista. Kim Deal reclama com as Breeders a responsabilidade de ter feito nascer um nicho especial dentro do veio alternativo nos anos 1990.

Muitas das faixas de “Last Splash”, e “Pod”, mantinham o ADN das composições dos Pixies e raramente excediam os três minutos onde o perfil lo-fi e os geniais e simples tiques musicais tornavam canções como «Cannonball» ou «Divine Hammer» verdadeiros hinos.

De regresso ao presente, “LSXX” soa fresco, envolvente, simples e maravilhosamente genial como só as obras feitas com o coração podem ser. E como que em forma de prenda, a 4AD decidiu voltar a editar “Last Splash”, sem remasterizações e afins, mantendo a gravação original mas juntando muitas e boas surpresas e no total temos mais de 40 momentos para acrescentar ao espólio das Breeders.

Com o primeiro disco completamente dedicado ao estúdio, o segundo tomo deste “LSXX” inclui demos, faixas raras e os EP que a banda editou à época. Entre algumas maravilhas temos a oportunidade de ouvir as demos de «Grunggae» e «New Year», que apenas foram alvo de edição como bónus da edição sete polegadas de “Last Splash”. Ao ouvir as demos sente-se que a cumplicidade da banda era superior a qualquer toque de Midas resultante de produção externa. A beleza inata de «Sad About Us», «I Can’t Help It…» ou «Cro-Aloha» faz suspirar por mais.

O terceiro disco revela o ambiente de um concerto das Breeders e “The Stockholm Syndrome” foi gravado ao vivo na capital sueca para a BBC. A energia que Deal e comparsas libertavam ao vivo, e que Portugal já pôde confirmar um par de vezes, desenvolvia-se num som mais rebelde do que o estúdio fazia prever. O público delirava e, por vezes, era necessário mandar acalmar a audiência, tal como é sugerido no início de «Happiness is a Warm Gun», para depois deixar as pessoas explodirem com hits como «Cannonball».

Este apanhado de canções serve, acima de tudo, para lembrar que as grandes bandas e os maravilhosos discos não são fruto do acaso e carecem de uma genialidade que o tempo não apaga.

“LSXX” não é apenas uma peça nostálgica, é um disco para ser ouvido por todos. Não importa se temos 20, 30 ou 40 anos, aquilo que urge reconhecer é que este lançamento tem o condão de fazer recordar, ou apresentar, um disco fantástico. Aloha!

In Rua de Baixo

segunda-feira, 17 de junho de 2013

PATRÍCIA MADEIRA VOLTA AOS ESCAPARATES COM “O ARMAZÉM E OUTRAS HISTÓRIAS”



Amor, solidão, sexo, morte, amizade. Eis alguns dos temas revistos por Patrícia Madeira em “O Armazém e outras histórias” um Ebook que contém 18 histórias escritas de uma forma intimista e muito pessoal cujas ilustrações de João Raposo vão dar a devida cor.

Depois de duas obras de ficção, “2001, Instantâneos de Sapo” e “Lau Mim”, Patrícia Madeira regressa ao mundo dos livros com um livro que promete muitas surpresas em forma de contos ilustrados.

Atualmente a residir na capital, Patrícia Madeira onde desenvolve trabalhos na área da estratégia e conteúdos de informação e conta com uma experiência em diversas áreas. Do teatro ao jornalismo, passado pela música e redação, a autora de “O Armazém e outras histórias” é dona de um discurso que funde humor, cumplicidade e uma boa dose de voyeurismo, ingredientes que tornam esta sua nova aventura escrita numa agradável surpresa.

Conhecendo apenas o formato digital, esta coletânea estará disponível para venda através da Amazon, Leya Online, Apple Store, Barnes & Noble, Fnac.pt, Google, Gato Sabido, IBA, Kobo, Livraria Cultura, Submarino e Wook. Para ter ideia do livro é possível descarregar gratuitamente o conto “Roy Blue está na Cidade” nas já referidas plataformas.

O lançamento de “O Armazém e outras histórias” tem data marcada para o próximo dia 25 pelas 19 horas e terá como palco a FNAC do Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa. A apresentação contará com a presença do irreverente Pedro Tochas. Depois de conhecido o livro e se gosta da degustação de vinhos alentejanos pode fazer um brinde com alguns néctares presenteados pelo enólogo Luís Duarte.

In Rua de Baixo

“LUZ ANTIGA”
de JOHN BANVILLE

Anatomia de Gray




Vencedor do Booker Prize em 2005 e um nome habitual no que toca à possível atribuição do Nobel da Literatura, o irlandês John Banville faz-nos chegar o seu décimo sexto livro, uma obra que vem confirmar a genialidade da sua escrita e de uma capacidade invulgar de contar uma estória assente nos paralelismos existentes entre a imaginação e uma memória que pode ser disfarçada e moldada pelo desejo em si mesmo.

“Luz Antiga”, uma responsabilidade editorial da Porto Editora, relata a existência, ou retalhos da mesma, de Alexander Cleave, um actor em fim de carreira que busca nas suas recordações de vida uma forma de fintar o presente assombrado pela morte da filha.

As memórias de Cleave levam o leitor a conhecer pormenores, deliciosamente escritos sob um lirismo desarmante, do (seu) errático primeiro amor enquanto rapaz de 15 anos que teve a “fatalidade” de conhecer a paixão através de um sórdido romance com a senhora Gray, a mãe do seu melhor amigo e vinte anos mais velha.

Os jogos de linguagem utilizados por Banville são características de uma escrita que se eleva através de uma exuberante forma, de enredos envoltos de uma complexidade sedutora, assim como de um poder realista e sofisticado herdado, como o próprio autor assume, da sua sofreguidão pela obra de Henry James.

Ao longo das 260 páginas deste romance, que tem no amor e na perda os seus motivos maiores, somos transportados para uma aldeia irlandesa situada no litoral onde o “velho” Cleave se refugia no sótão de sua casa (e cabeça), procurando num espaço exíguo recuperar o equilíbrio que a perda de Cass, filha que nasceu do seu enlace com Lydia – sua actual companheira -, representa.

Enquanto varre a memória ou a ilusão dos tempos passados e recorda, apaixonadamente, a proibida relação com a mãe de Billy Gray, é confrontado com uma situação invulgar, ao ser contactado para encarnar a biografia em forma de filme de Axel Vander, um ilustre desconhecido que “roubou” a identidade de outrem, passando a assumir uma personalidade que não a sua, ou seja, representado um papel que não o seu.

Para melhor conhecer a vida de Vander, Cleave estuda a mesma através de um livro escrito por um enigmático – ou talvez não – J.B., que mostra um homem que bem poderia ser um anagrama de si mesmo.

Aquilo que mais impressiona na escrita de Banville é a sua maravilhosa linguagem, composta por linhas que incorporam uma poesia assente por uma aliteração, assonância e cadência própria, e que transformam o Abril da adolescência de Cleave numa mistura de descoberta, paixão, entrega, sexo e sentimentos febris. E são, nesses momentos mais quentes de “Luz Antiga”, que as comparações com Nabokov de “Lolita” são de uma evidência assinalável.

A par da linguagem, também os corpos das personagens de Cleave e Gray estão revestidos de profundas camadas de um veludo especial, que ganham brilho quando o sol entra pela janela dos seus esconderijos apaixonados que nem vestígios de uma qualquer aurora boreal.

Mesmo os próprios relatos dos momentos mais banais conseguem deslumbrar. Uma caminhada numa manhã solitária em que todos os outros trabalham ou a descrição de um mendigo podem ser textos poéticos, bonitos, dedicados e donos da genialidade que apenas pertence aos proscritos.

Mas não é apenas o estilo da escrita de “Luz Antiga” que torna este livro numa das obras charneira do autor de “O Mar”. Quem segue a obra deste irlandês revê aqui tiques de outras estórias que o acompanham nas últimas duas décadas. Alguns dos personagens figuram em outros momentos literários de Banville, que tem em Alex Cleave, por exemplo, o herói nos seus livros mais recentes.

A voz narrativa é outras das peculiares formas da escrita de Banville, que rejeita o “vulgar” diálogo para tornar as personagens ainda mais sentidas. O passado é descrito com veemência e o amor, aquela paixão que não se esquece e marca, mantém acesa uma chama ténue que, num acto de confissão, se pode tornar pecado para quem se assume egoísta e culpado.

In Rua de Baixo

domingo, 16 de junho de 2013

“QUANDO A CHUVA PARAR”
de JOANA PEREIRA DA SILVA

A Amizade é um luxo



Duas amigas, um telefonema, uma autoestrada que liga duas cidades, as vidas percorridas a mais de 180 km/h enquanto a chuva que cai lava mágoas e leva para longe fantasmas de tempos idos, de memórias que ficaram, de uma melancolia que teima em fazer parte de uma existência que, por vezes, coloca em dúvida as certezas de outrora.

É assim, num jeito muito simples e direto, que Maria e Teresa trocam palavras ao telefone. Em género de confessionário, Teresa sente a aflição da amiga que deixa o marido e ruma a sul na companhia das suas filhas, adormecidas pela trepidação da viagem noturna, enquanto faz zapping no conforto do sofá.

Entre as 20h55 e as 22h00 passam-se quilómetros de conversas, de regressos ao passado e, para espanto de ambas, revelam-se segredos até hoje guardados. Por entre as gotas que caem do céu destila-se ódios, brinca-se, fala-se de amor, com humor, reveem-se vidas de certa forma interrompidas.

O diálogo criado por Joana Pereira da Silva é o corpo da escrita de “Quando a Chuva Parar”, um pequeno e intenso livro que faz parte da nova coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção”, uma aposta da editora Guerra & Paz.

Formada em História, Joana Pereira da Silva dedica-se agora à escrita, tanto no formato romance como enquanto guionista, depois de ter trabalhado alguns anos em marketing e publicidade. O seu primeiro romance remonta a 2006 e tem como nome de código: “SGPS Sexys, Giras, Porreiras, Solteiras”.
Com este “Quando a Chuva Parar”, Joana Pereira da Silva consegue uma obra descomplexada, despretensiosa e, acima de tudo, muito divertida e mordaz, onde a amizade é o elo mais forte entre duas mulheres unidas por um passado algo nublado, um presente chuvoso e um futuro que se quer radioso.

In Rua de Baixo

quinta-feira, 13 de junho de 2013

QUEENS OF THE STONE AGE
“LIKE CLOCKWORK”

Sessões do deserto



Josh Homme é, sem dúvida, uma das figuras de proa do novo rock. Ao longo da última década e meia cativou adeptos com os seminais Kyuss e é desde 1997 o grande mentor dos Queens of the Stone Age. Para além destas duas bandas espalhou charme em forma de acordes pesados e riff’s sincopados em projectos “laterais” como os Eagles of Death Metal ou Them Crooked Vultures, banda pela qual editou o seu último trabalho antes de regressar com o muito aguardado “Like Clockwork”.

Este longo hiato levou muita gente a desesperar por novidades por parte dos QOTSA mas Homme, à conta do seu trabalho e entrega, ganhou credibilidade para fazer as pausas que entender, para repensar a (sua) música.

Este é um dos privilégios de se ser e sentir estrela, definição que dentro do espectro rock partilha com o seu amigo de longa data e fonte de inspiração Dave Grohl. Faces não muito distintas de uma mesma moeda sonora, entre Homme e Grohl existe uma ténue linha que os separa, uma estreita fronteira que se chama pop.

Analisando grosso modo o percurso dos QOTSA e dos Foo Fighters vemos que a genialidade que acompanha ambos os projectos encontra a sua maior diferença na franca habilidade do antigo baterista dos Nirvana para fazer hinos pop, se quiserem, power pop.

Sempre que Homme colabora com Grohl a música ganha novos patamares de interesse e “Like Clockwork”, um disco feito com muitas participações, reflecte a magia destes dois homens. A soma entre a maior dureza de Josh e a técnica mais polida de David resulta num trabalho quase sem mácula e que aponta a doses massivas de entretenimento assim como de good and old rock and roll!

Assim, e sem grandes surpresas, estamos perante mais um excelente disco, registo que abraça com todo o orgulho as várias vibrações rock e que se serve de muitos dos ensinamentos herdados dos já longínquos anos 1970, época bastante prolífera em sons bombásticos.

Para fazer nascer “Like Clockwork”, Homme voltou a chamar Grohl para a bateria, convocando também Nick Oliveri para as quatro cordas e Mark Lanegan também correspondeu ao chamamento. Para além destes nomes surgem mais convidados como Trent Reznor, Jake Shears (Scissor Sisters), Alex Turner (Artic Monkeys) e, sim, Sir Elton John para dar voz e umas pitadas de piano.

Hábil em juntar talentos diversos, Homme conseguiu um som fluído e altamente atraente ao longo de “Like Clockwork” e ouvindo as 10 músicas deste disco parece que estamos perante uma banda que se conhece há décadas. Um pouco distante dos sons gerados aquando de “Era Vulgaris”, trabalho datado de 2007, “Like Clockwork” soa mais tranquilo, seguro e completo. Começa com uma sedutora e doom «Keep Your Eyes Peeled», nascido dos cacos de um passado sonoro que vê a Fénix ressurgir, tendo como base uma linha de baixo muito quente e uma bateria (aqui a cargo de Joey Castillo) quase em velocidade cruzeiro. A tensão sente-se e, aos poucos, os curtos riffs apontam uma vontade, ainda que contida, de explodir.

Estamos perante uma atmosfera prog vibe raptada aos anos 1970 e que faz crescer o apetite ao que ai vem.
E aos primeiros acordes acordes de «I Sat by the Ocean» voltamos a sentir o prazer de estar a ouvir os QOTSA, donos de um groove a toda a prova que se prolonga ao longo dos 45 minutos de “Like Clockwork”. A guitarra grita devagar e a voz de Homme está mais segura que nunca, assim como a sua lírica fluida.

A mais contida «The Vampyre of Time and Memory», assente num piano indigente e numa guitarra que se lança no espaço, faz lembrar uma canção de Bowie e a voz de Homme não está muito longe do registo do “Camaleão”. Para dar ainda mais aconchego ao ritmo lânguido desta canção surgem pitadas de sintetizador. A música cresce nas mãos dos QOTSA.

Ainda que o som este disco soe a “rock moderno”, são muitas as referências a sons mais datados com, por exemplo, «If I Had a Tail», uma composição dona de um ritmo viciante que tem no «Da Doo Ron Ron» um embalo característico de outras eras. Homme canta, com a ajuda da guitarra de Alex Turner, e por entre muito swing, afirma: “I wanna suck, I wanna lick, I wanna cry, and I wanna spit, tears of pleasure, tears of pain”. A guitarra ousa soltar-se a meio da corrida e, acreditem, todos ganhamos essa liberdade e sentimos a abençoada descida ao inferno do reverso da escala evolutiva.

O primeiro single deste disco, «My God is the Sun» é, à partida, a música mais radio friendly deste álbum e é um exemplo da canção rock perfeita, com ou sem aspas. O ritmo é completamente delicioso, os instrumentos (grande Grohl!) fundem-se entre si, a voz de Homme é uma pérola em si mesma. Celebra-se o Deus Sol, o deserto, a vida inóspita, a velocidade. Amén, dizemos nós.

Já «Kalopsia» traz outros ritmos, com Josh Homme a assumir posses de crooner numa balada feita à medida de uma quente noite de verão que vê a temperatura elevar-se à medida que as cordas das guitarras são arranhadas, no intervalo das teclas de um suave piano, e se sente a presença mutante de Trent Reznor.
É ainda sob a influência do homem forte dos Nine Inch Nails que chega a dolente «Fairweather Friends», que tem a particularidade de contar com a presença menos óbvia neste disco. Falamos naturalmente de Elton John cujo piano brilha por trás da muralha rock de toda a composição. As vozes são alvo de uma mistura especial e pouco importa quem é quem pois o mais importante é o (brilhante) resultado final, que tem na mestria de Mark Lanegan outro ingrediente de peso.

«Smooth Sailing», que volta a contar com a presença da voz de Jake Shears depois da faixa inaugural do disco, é um puro exercício hedonista que mistura o falsete do vocalista dos Scissor Sisters com a competente rispidez vocal de Homme.

Já perto do final do disco, «I Apear Missing», uma das melhores faixas deste disco, agarra o ouvinte de frente e a cadência fantástica dos ritmos é um convite ao deleite auditivo. A cada minuto que se percorre ao longo desta mini-maratona de 360 segundos, aumenta a cadência lírica, musical e emocional. O lamento da voz de Homme encontra o paralelismo certo na bateria de Grohl bem secundada pelas cordas que libertam electricidade na medida certa. Uma das melhores canções rock que 2013 já ouviu. Para consumir até à exaustão, por favor.

A última e homónima faixa de “Like Clockwork” revela-se lenta e desconcertante a provar que (estes) QOTSA sabem mexer-se em ritmos e toadas diferentes com a mesma capacidade de deslumbrar. Aqui são as teclas do piano que ditam o ritmo agridoce da canção que tem uma alma crescente que assenta amarras no coração do ouvinte.

“Like Clockwork”, o disco, é um álbum com cabeça, tronco, membros e muitos e bons convidados; um trabalho que vem comprovar a inata capacidade de Josh Homme produzir excelentes colecções de canções e reunir a trupe certa. Ainda que não se trate de uma tentativa de estabelecer um qualquer reinado, se o rock tivesse que ter um trono nele estaria sentado o soberano Josh Homme.

In Rua de Baixo

terça-feira, 11 de junho de 2013

“E ONDE É QUE ESTÁ O AMOR?”
de ANA ZANATTI

Pessoas à beira de um ataque de nervos




Renato é um dos nove personagens que fazem parte desta estória. Ao todo estamos perante seis mulheres e três homens que procuram conforto na confissão das suas vidas, quais tormentos, perante desconhecidos, pessoas de carne e osso mas sem vínculos emocionais entre si.

E é também Renato que faz uma das perguntas mais pertinentes e que dá o título ao livro. Questiona ele: “E onde é que está o amor?” A dúvida é, acreditem, legítima. Isabel, Maria Antónia, Álvaro, Rosa, Virgílio, Susana, Ricardo, Marisa e Renato trocam confidências, falam de casamentos falhados, paixões que se esfumam, frustrações que os atacam, traições que foram alvos, sensações que desapareceram e que dão lugar à cruel solidão. Celeste é a mediadora destas conversas informais.

O medo de ficar sozinho, de não ser querido, assusta estes personagens que lutam por si, pela sua vida, para recuperar a autoestima perdida num qualquer desamor. Em tempos onde a comunicação é seriamente ameaçada por medos diversos e que o silêncio é uma forma de combater um sentimento que se receia, Ana Zanatti escreve um livro delicioso, cheio de pormenores e que tem, na falência humana, uma das suas maiores inspirações.

Bastante teatral, este livro tem uma narrativa aberta, descomplexada e direta, sem papas na língua. A ação passa-se apenas numa tarde em que uma reunião anónima, realizada numa biblioteca, pode significar um novo e inesperado balão de oxigénio para as almas que fazem parte desta estória.

Autora de vários romances dos quais se destacam “Os Sinais do Medo”, os infantis “O segredo da Romã” e “O Planeta Adormecido”, assim como a trilogia composta por “A Grande Travessia”, “O Povo Luz e os Homens Sombra” e “Teodorico e as Mães Cegonhas”, Ana Zanatti, longe do palco, revela toda uma escrita excecionalmente limpa, honesta e atraente neste livro que surge como arranque da coleção “Poucas Palavras, Grande Ficção”, um conjunto de obras sob o carimbo da editora “Guerra & Paz”.

Para este conjunto de livros compostos por narrativas curtas a editora convidou várias personalidades da nossa praça, entre os quais podemos contar com as perspetivas de vida escritas por jornalistas, escritores, argumentistas, publicitários e gente ligada ao cinema; pessoas que, de alguma forma, têm na escrita uma forma de passar a sua mensagem, a sua visão do mundo.

Livros bem escritos, estórias curtas e que podem, de alguma forma, ser um pouco das nossas vidas, das nossas experiências, desejos ou desilusões. As palavras podem ser poucas mas o resultado transcende o número das páginas. Sem dúvida, uma aposta ganha.

In Rua de Baixo

sábado, 8 de junho de 2013

“SOUL SACRIFICE”
PS VITA

Em busca do poder perdido



Magia, muita magia, ação, muita ação, entretenimento, bastante entretenimento. Esta é uma das formas possíveis de definir Soul Sacrifice, uma das mais recentes apostas da Sony e que pretende, finalmente, colocar a mais recente consola portátil do gigante japonês no topo das preferências dos amantes dos videojogos.

Por trás deste RPG desenvolvido pela Marvelous AQL está o japonês Keiji Inafune, um dos homens que mais fama trouxe à conceituada CAPCOM e que conta com um invejável currículo do qual fazem parte títulos grandes dos jogos de consola como o são Mega Man ou a primeira versão do icónico Street Figther no longínquo ano de 1987.

Outro dos grandes atrativos deste jogo é a sua intrigante banda sonora composta por Yasunori Mitsuda que ganhou fiéis seguidores depois de ter sido o responsável pelas sonorizações de Chrono Trigger ou da série Shadow Hearts.

No que toca ao universo deste jogo propriamente dito estamos perante uma grotesca aventura onde a magia guia os seus personagens sendo que o sacrifício, ou não, da alma é um destino inevitável. A Humanidade encontra-se perdida e aqueles que têm o privilégio de manter a vida estão presos e esperam um trágico final nas mãos do impiedoso feiticeiro Magusar.

Assumido o papel de um desses escravos o jogador oferece-se para mudar o trágico destino entretanto conferido à Humanidade e a esperança surge depois de ler um diário demoníaco de características muito especiais sendo uma delas o facto de estar vivo e que guarda consigo o segredo que pode mudar a penumbra que confere uma negra áurea ao mundo e que é sinónimo da derrota do seu malvado raptor.
Este livro especial possibilita ainda ao jogador, na companhia da enigmática Sortiara, reviver contos e fantásticos acontecimentos passados que relatam batalhas com feiticeiros e monstros que desafiam a imaginação dos mais sonhadores.

Esta demanda é disputada em vários cenários sitiados que apenas podem ser explorados e ultrapassados depois de mortas as alucinantes criaturas que os habitam e condenando, ou salvando, as suas almas. Ao optar-se por salvar uma alma a nossa defesa fica reforçada enquanto se optar pelo contrário o nosso herói ganha potência atacante e vê as suas armas, aqui conhecidas como oferendas, recarregadas.

Ao todo são admitidas seis oferendas que se transformam em vigorosos instrumentos de ataque e que dão ainda a possibilidade de transformar, ainda que temporariamente, o perfil do nosso personagem. Tendo em conta a linha do pensamento de todo este jogo, cada oferenda apenas pode ser utilizada um número limites de ocasiões ainda que os objetos mágicos que se encontram escondidos nos vários cenários deste jogo possam revigorar as já referidas oferendas e carregar as energias das mesmas após cada missão. No entanto, todo o cuidado é pouco pois o excesso de utilização destes itens pode findar os mesmos algo que apenas pode ser reparado recorrendo à bizarra Lacrima.

Em forma de exemplo, o nosso personagem pode utilizar pedras, árvores e outros objetos que se encontram nos cenários e que fornecem a capacidade de efetuar truques menos ambiciosos como o são a criação de uma barreira defensiva ou a utilização de uma espada. Obviamente, que quanto maior for a oferenda mais poderoso se torna o feitiço. Existe também a possibilidade do herói sacrificar partes do próprio corpo o que permite invocar demónios ou disparar traços de laser contra os inimigos.

Para um jogo que pauta toda a sua ação em forma de combate, Soul Sacrifice é bastante minimalista no que toca às mecânicas da luta em si e os seus criadores optaram pela simplicidade de movimentos. Apenas uma oferenda pode ser assumida e utilizada de cada vez e, por isso, os combos surjam com alguma paciência e apenas um dos comandos da consola pode ser utilizado. Se esperava por combos multi-comandos, esqueça.

Em combate a antecipação é um fator primordial e urge ser mais rápido que o inimigo. No que toca à defesa, e não existindo um comando de evasão, é necessário desenvolver bem a técnica de…ataque. As armas estão em harmonia com alguns elementos e devem ser utilizadas nos inimigos “certos” pois alguns revelam imunidade a alguns dos truques bélicos. Em alguns casos os confrontos podem ultrapassar largamente os trinta minutos de combate e, nesses casos especialmente, é fundamental conseguir uma interação entre todos os combos assim como na utilização dos cinco elementos: raios, pedra, gelo, fogo e veneno.

A capacidade e possibilidade e salvar ou sacrificar almas, dos aliados ou do próprio jogador é, sem dúvida, um das mais-valias deste Soul Sacrifice. Em cada nível ou patamar deste jogo os Archfiends (vulgo Boss) são feiticeiros que enlouqueceram com o poder e foram vítimas das vítimas que sacrificaram, almas essas que são libertadas aquando da sua destruição. Essa vitória dará ao nosso herói novos níveis de ataque que ao sacrificar cada Boss terá a sua recompensa. Mas se se optar por poupar a alma ao seu inimigo ganhará mais um importante aliado.

Se algum aliado morrer também pode ser alvo de sacrifício o que dará origem a um feitiço especial que entre os atributos permite empalar inimigos. Se optar por isso fique a saber que não poderá voltar a contar com a preciosa ajuda desses personagens a não ser que recorra à Lacrima. Ao salvar um desses aliados os mesmos ganham energia que permite continuar a sua trágica missão.

De acordo com a mesma lógica, quando o herói morre pode ser salvo ou sacrificado e as consequências que dai resultam possam ser capricho dos restantes feiticeiros. Tudo faz parte de um jogo de interesses e situações que podem colocar o nosso personagem num estado fantasmagórico. Existe também a possibilidade de dar alento energético aos nossos aliados ou retirar potência aos inimigos mas sem grandes resultados práticos diga-se. Apesar de parecer complicado, depois de alguns minutos a jogar a lógica de Soul Sacrifice é facilmente compreendida.

Uma das grandes qualidades deste jogo é a enorme quantidade de decisões que o jogador tem de fazer ao longo de todo o jogo e cada um dessas apostas revela-se decisiva no decorrer da aventura pois a escolha “acertada” entre o sacrifício e a salvação é sinónimo de diferentes níveis de dificuldade.

Existe também a possibilidade de obter poderosos feitiços quando os níveis de energia estão baixos. Por exemplo, o primeiro feitiço que temos acesso tem a capacidade de incendiar todo ao redor e a auto imolação significa proteção. Um nota importante: cada feitiço é finito a não ser, sim já adivinharam, se se recorrer à Lacrima o que implica voltar a recorrer ao nosso parceiro em formato livro.

Convém referir, ainda para mais sendo tão influente ao longo de toda esta caminhada, que o nome deste companheiro de páginas astutas é Librom, que para além dos já referidos poderes de Lacrima é uma das estrelas de Soul Sacrifice. Dono de uma “personalidade” maníaca com uma tendência óbvia para o pessimismo e assente num sarcasmo acutilante, Librom revela-se determinante a cada detalhe da estória.
A sapiência de Librom é uma das melhores características deste jogo que assenta no melodrama dos seus solilóquios e tiques grande parte da magia de Soul Sacrifice, um universo em forma de conto assombrado que faz das alterações cronológicas outro importante traço. A tragédia inerente a este discurso assume-se um forte complemento ao interesse que esta saga representa para além da exploração das referidas arenas de luta.

Um dos fatores menos interessantes deste jogo é que a sua jogabilidade está uns furos abaixo daquilo que a fantasia proporcionada pela presença de Librom representa pois Soul Sacrifice tem muitos momentos idênticos entre si e faz lembrar alguma da monotonia que encontramos em jogos como Assassins Creed, apesar de toda a sua fantástica envolvência gráfica.

O formato online não traz grandes novidades neste aspecto mas jogar em forma “cooperativa” é um aliciante bastante interessante. Apenas algumas missões podem ser jogadas desta forma e a não ser que se consiga a companhia de alguns amigos, as oportunidades de poder escolher uma missão é bastante reduzida tal como acontece noutros jogos do género que tenham a possibilidade de serem explorados através da Web.

Em jeito de balanço, Soul Sacrifice é um bom jogo mas exigia-se um pouco mais face a uma história tão bem pensada e com uns gráficos muito bem conseguidos. A atmosfera de toada gótica lembra uma amálgama entre o folclore japonês e a mitologia grega e o prazer de conhecer e eliminar monstros confere uma adrenalina assinalável enquanto sentimos na mão o prazer de ter uma máquina como a Vita. É também por conhecer as potencialidades desta consola que se reclama, com toda a autoridade, uma maior jogabilidade e mecânica ativa, pontos que parecem ter sido “esquecidos” face à intensidade e competência gráfica.

Ainda assim podemos ter a certeza de conseguir horas de prazer garantidas ao explorar os territórios de Soul Sacrifice, conhecer os tormentos de Magusar ou sentir na pele o negrume da presença de Librom. Se gosta de uma boa banda sonora, vai adorar os sons orquestrados para as batalhas bem como as guturais vozes de alguns dos personagens. Recomendamos ainda as aventuras disponíveis em formato online bem como os pacotes gratuitos de conteúdos DLC. Divirta-se!

In Rua de Baixo

quinta-feira, 6 de junho de 2013

CHRYSTA BELL
ENTREVISTA

Conversámos com a artista, em vésperas do concerto no Musicbox



Modelo, actriz e cantora, Chrysta Bell regressa a Lisboa para dar um concerto no Musicbox no próximo dia 9 de Junho. Fã incondicional e amiga de David Lynch, Bell traz na bagagem um álbum especial produzido pelo realizador de “Twin Peaks”: “This Train” é o ponto de partida para uma agradável conversa sobre a mais recente musa de Lynch, uma mulher dona de uma voz sensual e arrepiante.

Regressa a Lisboa para promover “This Train”, um disco que contou com a ajuda de David Lynch na produção. Como está a correr a digressão?

Esta tourné começou em Edimburgo no passado dia 22 de Maio e tem sido excelente. Tocámos em alguns lugares no Reino Unido que nunca tínhamos visitado como Manchester, Leicester e no Festival “Hay on Wye”, que se realiza no País de Gales. A resposta tem sido muito positiva e encorajadora. E em França também correu tudo muito bem com concertos assombrosos em Paris e Toulouse. E claro que estamos muito ansiosos por regressar a Portugal.

Este disco revela uma voz sensual, forte, determinada. Até que ponto o lirismo de canções como «I Die» ou «Swing With Me» se assemelham com Chrysta Bell enquanto pessoa e, acima de tudo, mulher?

A canção «I Die», por exemplo, liberta uma capacidade sublime de redenção, de conhecimento divino. «Swing with Me» é um convite à luxúria, excitação e decadência sensual. Como mulher, ambos esses estados e sentimentos são como que uma conquista, um passo que permite avançar para uma dimensão superior que é a misteriosa viagem do eu feminino.

As suas experiências como actriz e modelo conferem-lhe mais confiança enquanto cantora, enquanto pisa o palco?

Ser modelo, representar e estar em palco com uma banda são acções que requerem uma confiança imensa nos teus parceiros criativos. Tudo se resume ao facto de teres essa vontade, essa garra de subir para o palco, ficar em frente de uma câmara e depois logo se vê o resultado. Pode ser incrivelmente recompensador e satisfatório ou não. Passar modelos, representar e cantar envolve uma predisposição inata que abraça a glória e tenta ultrapassar um eventual fracasso.

Assume-se fã de David Lynch desde os 12 anos. Qual foi o seu primeiro contacto com tal universo particular?

Tudo começou quando vi pela primeira vez a série “Twin Peaks” na televisão e fiquei completamente fascinada.

Como foi a experiência de intersectar o seu processo creativo com a abordagem do David Lynch?

O David e eu desenvolvemos uma enorme cumplicidade desde o dia em que nos conhecemos. Ambos gostamos de conviver, de sentir novas experiências, o que é muito importante para desenvolver um projecto criativo. Ele é como um farol para mim, uma verdadeira inspiração que dá, por exemplo, a dica certa para uma canção ou afasta a minha frustração com uma simples conversa ou uma divertida anedota. A sua paciência e encorajamento são muito inspiradores no fluir criativo.

Foram as passarelas que a tornaram conhecida. Acha que ser modelo é uma forma de interpretar um papel? Até que ponto está essa arte relacionada com a música?

Sempre gostei de desfilar porque isso proporciona-me ter diferentes imagens da minha pessoa. É fascinante. Para conseguires a foto perfeita, a ideia em formato fotografia, tem de existir um entendimento especial entre fotógrafo e modelo. Mas em palco sou auto-suficiente. Nem sempre quero reflectir uma imagem de beleza. Em palco deixo o momento acontecer e avanço por caminhos que não posso enverdar enquanto estou na passarela. Faço o que for preciso para que as coisas saiam como quero, na perfeição.

A última faixa de “The Train”, «The Truth Is», reporta-nos para um território musical perto dos Eurythmics. Quais as suas maiores influências enquanto cantora?

Sim, a Annie Lennox é certamente uma das minhas referências. Assim como Alison Goldfrap, Imogen Heap, Julie London, Jeff Buckley, Peggy Lee e Little Jimmy Scott. Mas se me fizerem essa pergunta amanhã tudo pode mudar!

Os videoclips das suas canções assemelham-se a sonhos em formato cinematográfico. Até que ponto vai o seu controlo sobre eles, ao nível conceptual?

Os videos são, geralmente, resultado de um todo. Para os que assumem uma componente mais narrativa nós dedicamos uma atmosfera especial. Gosto bastante deste processo. Ainda para mais os vídeos tornam-se cúmplices do próprio material sonoro e seria bastante estranho se eu não sentisse que existia uma ligação entre a canção e a imagem. O Vídeo de «Bird of Flames» é talvez a excepção. Deixei toda a responsabilidade criativa nas mãos de Chel White e essa incrível experiência ditou um vídeo muito bonito.

Sabemos que tem por hábito fundir performance, elementos cénicos e registos multimédia. O que podemos esperar do concerto no Musicbox?

Todos os elementos da banda dão o seu máximo, sempre. Eu canto com o coração todas as vezes, sem excepções. Em todos os concertos tentamos criar momentos intensos maximizando as nossas capacidades e o potencial da música que fazemos. Estou muito orgulhosa com os espectáculos que fazemos. Têm alma!

In Rua de Baixo

quarta-feira, 5 de junho de 2013

“O IMPOSTOR”
DAMON GALGUT

O inesperado destino de Adam Napier



Finalista do prestigiado “Man Booker Prize”, o sul-africano Damon Galgut é uma das mais brilhantes vozes da nova literatura feita por terras de África. Depois de em 2011 “Um Quarto Desconhecido” ter sido editado pela Afaguara, eis que a mesma chancela nos faz agora chegar “O Impostor”, um livro que vem confirmar a qualidade inata da escrita de Galgut, para muitos um autor cuja prosa remete para universos que encontram, em J.M. Coetzee e Nadine Gordimer, um paralelismo assinalável.

Em “O Impostor”, Galgut oferece-nos um romance que atravessa um pouco da realidade que a África do Sul teima em ser sinónimo. A acção decorre numa comunidade remota denominada Karoo e relata a estória de uma amizade entre dois homens, brancos, muito diferentes entre si.

Se de um lado temos um personagem passivo, um observador irónico de uma sociedade cristalizada, do outro surge-nos uma figura optimista, repleta de esquemas, que acredita verdadeiramente que pode moldar essa mesma sociedade à sua imagem, ainda que se refugie em sentimentos mesquinhos onde a vingança é o seu grande motor. Falamos de Adam Napier e Keneth Canning, dois homens com percursos de vida díspares e uma experiência comum enquanto colegas de escola, que acaba por ser o motor deste inesperado reencontro.

Napier, um homem na casa dos quarenta anos, acaba de chegar a Karoo por intermédio do seu irmão Gavin depois de ficar sem trabalho, sendo vítima da discriminação positiva que se vive na África do Sul, e pretende começar de novo. A ambição de ser poeta, um sonho de vida, leva-o a rejeitar outras perspectivas, embora Gavin pense que se trata de um acto desesperado.

Ainda que orgulhosamente só, Adam decide aceitar a ajuda do irmão e vê-se a habitar numa inóspita casa nos limites de Karoo, muito longe da sua Joanesburgo natal. Os primeiros passos de Napier na sua nova comunidade são tímidos e, imediatamente, sente que aquela casa decrépita é o seu único consolo, assim como a literatura que lhe brota do coração. Numa das poucas idas à “civilização” para se abastecer, o destino prega-lhe uma partida que vai mudar a sua vida. Um estranho, Canning, identifica-o como um antigo companheiro de escola que, em tempos, lhe salvou a vida. Lutando contra a memória, Adam não se recorda de tal personagem mas, aos poucos, decide embarcar nesta amizade perdida, muito por culpa daquilo que Canning tem ao seu dispor: uma incrível e luxiriante riqueza herdada do pai em forma de reserva de caça. Ainda assim, não é o dinheiro de Canning que mais cativa Adam. Baby, a fascinante e negra mulher de Canning, é sim uma fortuna que, aos poucos, seduz Napier.

Depois do casual encontro, o “Fraldas” – alcunha que Adam ganhou aquando dos anos de escola – envolve-se irremediavelmente num jogo perigoso, que revela alguns dos tiques da sociedade sul-africana que ainda não conseguiu arredar definitivamente as memórias do Apartheid. A corrupção, a vingança, a (inevitável) luxúria e a traição são sentimentos que, ao longo do livro, nos ajudam a conhecer melhor as interessantes e intrigantes personagens de “O Impostor”.

A tensão – ainda que dolente – que brota da leitura deste livro é uma das maiores qualidades da escrita irrepreensível de Galgut que tem, em Canning, um dos seus personagens mais aliciantes, e que se afigura como uma espécie de Gatsby africano mas sem qualquer ponta de glamour.

A estranha combinação entre uma personalidade que deambula entre uma infantilidade onírica e um empresário corrupto transforma Canning numa pessoa ensimesmada, medrosa, que mistura afabilidade com desconfiança e que o ódio ao pai apenas ganhou forma ao longo dos anos.

Galgut tem também o mérito de fazer um contraponto ético entre a riqueza e a obscenidade que pode dela resultar. Mais, a falência financeira e psicológica de Adam é um importante desígnio no avançar desta envolvente trama, que prende o leitor a cada palavra lida, a cada página deixada para trás. A escrita limpa, eficiente e muito polida de Galgut torna este romance altamente apetecível em vários factores. Se de um lado estamos perante uma trama onde o crime de certa forma convencional é o grande leitmotiv, por outro surge-nos um homem inocente que é arrastado para um mundo que desconhece e tarda em entender.

“O Impostor” assume-se (também) como uma crítica à realidade sul-africana, que não consegue libertar-se de uma atmosfera construída à conta da crueldade e de um materialismo áspero e bacoco. Se, no início da obra, Galgut tem alguma dúvida em saber se é a alma poeta de Adam ou o pragmatismo capitalista de Gavin que exemplificam de certa forma o novo homem africano, essa resposta vai sendo cada vez mais nítida ao longo das mais de 300 páginas deste livro. No fundo, este romance funciona como uma fábula, uma parábola. A obra produzida por Damon Galgut está para além de simples interpretação, assumindo uma percurso onírico que se refugia numa lógica interna muito particular. “O Impostor” não tem quaisquer pretensões morais; não se retiram lições desta estória apesar de a mesma estar carregada de pequenos dilemas onde o sexo, a morte e a traição estão no seu epicentro. Este livro move-se através de sombras que afastam respostas que, face a si próprias, não são mais que uma ponte que nos leva a alguns dos recantos mais nublados das sociedades contemporâneas.

In Rua de Baixo

terça-feira, 4 de junho de 2013

PROJETO CONVERSAS

A Comunicação é um ponto de encontro. Conversa com Constança Saraiva e Mafalda Fernandes



A Cultura em Portugal é um dos bens mais preciosos, e urge cultivar a sua divulgação a vários níveis. A confluência de interesses e as diferenças que regem os diferentes ramos culturais podem funcionar como um ponto aglutinador, algo que representa um pouco da portugalidade enquanto herança, enquanto iniciativa que extravasa conceitos espácio-temporais.

A Comunicação é, por excelência, a melhor forma de fazer divulgação e é nesse contexto que surge o projecto Conversas, um ponto de encontro que pretende reunir pessoas das mais variadas áreas e que promove encontros semanais com profissionais, da música ao design, da engenharia à medicina, da dança à antropologia, da dança à filosofia.

A ideia surgiu das cabeças da Constança Saraiva e da Mafalda Fernandes que, todas as quartas-feiras, reúnem convidados em dois ateliers na capital. Assim, “A Década” e “A Rosa”, no Bairro Alto, são o palco destas reuniões especiais onde se podem beber “médias” em troca de uma moeda de euro. A entrada é livre.

Para além das agradáveis e sempre surpreendentes conversas, esses encontros são registados em plataformas online (blog, facebook e streaming) e, de dez em dez Conversas, é feita uma publicação que arquiva os momentos passados no âmbito destas tertúlias faladas. A coordenação deste projecto, para além da Constança e da Mafalda, conta com a participação de designers convidados, fotógrafos e tradutores, pois estas edições são bilingues (Português/Inglês).



Para ficarmos mais por dentro desta interessante iniciativa, estivemos à conversa com a Constança e a Mafalda...

Como surgiu a ideia destas “Conversas”?

A Constança estudou Escultura na Faculdade de Belas-Artes, e lá para o final do curso decidiu deixar o trabalho com o ferro e as soldaduras para começar a trabalhar com pessoas. Hoje em dia interessa-se sobretudo pela prática artística que envolva pessoas e comunidades, tema que desenvolveu na sua tese de mestrado. A Mafalda licenciou-se em Design de Equipamento, na mesma faculdade, e quando lhe perguntam “O que andas a fazer?” ou “Estás a trabalhar na tua área?” fica sempre nervosa e inquieta. Normalmente a resposta é: “Estou a trabalhar em muitos projectos e sim, nenhum deles me dá dinheiro”. Na verdade, “Design é só uma das ferramentas que usa no seu dia-a-dia”.

Alguns anos depois de acabarmos a faculdade, onde ficámos amigas, apercebemo-nos que sabíamos muito pouco sobre os projectos quee cada uma e que os nossos amigos andavam a desenvolver, a pensar e a planear. Sentimos necessidade de saber o que é que questionavam, o que os intrigava, em que é que pensavam, e precisávamos de arranjar tempo para isto, tempo para estarmos uns com os outros para além de um café ou de um copo, para além de uma conversa superficial e do negativismo e frustração que tantos sentimos nos dias de hoje.

Decidimos, então, organizar um encontro todas as quartas-feiras, dia calmo da semana, para colmatar esta lacuna. Hoje em dia parece que não há tempo para falar das coisas com calma e agora às quartas-feiras é possível conversar sobre projectos, ideias e visões que verdadeiramente apaixonam os oradores e inspiram todos os participantes.

Sentem que a Cultura em Portugal é um “parente pobre”?

Infelizmente, como todos sabemos, a Cultura em Portugal, como em muitos outros Países, está a passar por períodos muito complicados. As Conversas nasceram para serem um momento de encontro, diálogo e discussão, com o objectivo de criar um momento mais social que cultural. A noção de discussão e de diálogo entre pessoas é muito importante; esta necessidade de encontro com o Outro e a falta de tempo para ele deve-se à economia capitalista em que vivemos actualmente. Também o aparecimento das novas tecnologias das últimas décadas, desde a televisão à internet em casa, criou um individualismo crescente e generalizado em todo o mundo ocidental. As principais estratégias na actualidade são a competição e especulação e têm influência e consequências directas em nós. Os seres humanos têm vindo a ser desencorajados do sentido de comunidade e de participar em actividades da esfera social. Isto reflecte-se sobretudo nas grandes cidades, como Lisboa. As Conversas são sintomáticas de uma necessidade do sentimento de comunidade e situam-se entre muitos outros projectos — artísticos, culturais e sociais — que nas últimas duas décadas têm vindo a surgir em Portugal e pelo mundo fora. O sentido comunitário tem sido afectado, mas, é por isso mesmo, que temos razões para desafiar tal pessimismo. As Conversas são, mais do que um evento cultural, um lugar de possibilidades de novas parcerias, amizades e inspirações.

Como é feita a escolha dos convidados? Pensam em algum tema em particular e depois avançam ou optam por algo aleatório?

Acreditamos que todos os seres humanos têm algo de muito bonito para partilhar. As Conversas são um projecto despretensioso, acolhedor e aberto a todos. Os nossos “convidados”, a quem chamamos afectivamente de “Conversadores”, começaram por ser amigos, passaram aos amigos dos amigos, e dos amigos dos amigos a interessantes desconhecidos. Neste momento também participam nas Conversas pessoas que se propõem de forma espontânea por terem ouvido falar da iniciativa já sem se saber muito bem por quem. A comunicação gerada nestas quartas-feiras cria um sentimento de pertença sentido por nós e por todos. Este sentimento levou-nos a uma conclusão — estamos todos a criar um lugar em comum. E estamos todos a criar uma comunidade das Conversas.

A ideia de registar o que se passa nas tertúlias em livro é uma forma de criar um arquivo especial ou um género de agradecimento aos convidados?

As publicações (feitas de dez em dez Conversas) funcionam, sim, como um arquivo de todos os conteúdos dos participantes e de projectos desenvolvidos por Conversadores no âmbito das Conversas. Foi desde o início uma forma de criar um objecto-memória dos momentos irrepetíveis que são as Conversas. São publicações independentes feitas com muito trabalho e energia, a edição e produção fazemos nós, as designers gráficas (até agora foram só meninas: Eva Gonçalves, Isabel Lucena, Joana Durães e Mariana Veloso) fazem a paginação, o Miguel Rodrigues faz as traduções e o Miguel Lopes e o Ricardo Pereira tratam das fotografias. Já tivemos, também, o apoio, sobretudo logístico, de várias entidades/pessoas: da Biblioteca Municipal Camões, da Epson, do projeto Eyesight, da Gráfica VMMG, do Sr. IlÍdio António, da Indústria Portuguesa de Tipografia, da Junta de Freguesia da Sé e da PhotoFinish. A tiragem das publicações impressas é muito pequena, (neste momento são 100 exemplares) o que torna estes livros objectos raros e de colecção! A publicação bilingue (Português e Inglês) justifica-se pelos vários Conversadores e público estrangeiro que regularmente aparecem nestas quartas-feiras, assim como o objectivo inerente em apresentar e divulgar o projecto além Portugal.
A versão online das primeiras três publicações está disponível no Facebook e no Blog das Conversas onde é também possível subscrever a newsletter do projecto.

Ao ver a vossas publicações online, entretanto esgotadas em formato livro, apetece fazer parte delas, participar. Têm notado maior adesão ao vosso projecto?

As duas primeiras publicações estão esgotadas, mas da terceira e da quarta ainda temos alguns números disponíveis. As primeiras três publicações estão acessíveis a todos na versão online (aqui, aqui e aqui). As publicações são um óptimo meio de comunicação das Conversas, e sentimos, sem dúvida, uma crescente adesão ao projecto. Temos todas as semanas novos curiosos e muitos deles fazem das Conversas um programa semanal, ao qual nunca mais deixaram de vir. Mas estas pessoas, na sua maioria, souberam do projecto através de amigos, e muitas também pelo facebook. Houve já várias Conversas em que a adesão foi de 50 ou 60 pessoas, mas este número de público não é de todo o nosso objectivo, aliás, o limite físico do espaço dos nossos ateliers é o ideal: quando o número de participantes é maior, é mais dificil atingir o ambiente de diálogo e intimidade que permite gerar um diálogo real.

Até quando vamos ter estas Conversas e que surpresas estão a ser preparadas?

As Conversas têm já um ano e meio de existência e estamos muito perto da quinquagésima Conversa! Dentro da sua simplicidade e descontracção, é um projecto que envolve muito trabalho, nosso e de todos os colaboradores, sem qualquer apoio financeiro. Enquanto tivermos energia e tempo para fazer Conversas todas as quartas-feiras, elas vão continuar a existir! Quanto a surpresas… estamos neste momento a trabalhar num pequeno trabalho de investigação, em que nos interessa uma parceria em contexto académico, que vai resultar num “Manual das Conversas”, uma espécie de manual de instruções para podermos levar as Conversas a outras cidades, e outros Países. Este Manual (uma publicação também bilingue) procurará analisar o projecto comparando-o com projectos semelhantes, e a partir das suas especificidades elaborar um modelo do projecto Conversas. A criação deste modelo permitirá a repetição e reprodução por qualquer pessoa ou entidade, em qualquer lugar, de uma forma pedagógica, acessível ao público em geral. Esperamos que a distribuição do “Manual das Conversas”, acompanhada por workshops e apresentações sobre o projecto, corresponda ao crescimento, democratização e acessibilidade das Conversas.
Entretanto, como já é habitual entre séries de dez Conversas, iremos fazer um intervalo para preparar a próxima publicação, cujo lançamento está agendado para julho na Fábrica Features Lisbon. Este evento será acompanhado de uma nova exposição com trabalho desenvolvido pelos colaboradores e o lançamento do site. No mesmo mês, vamos fazer parte do festival de arte pública Walk & Talk nos Açores e iremos continuar a desenvolver Conversas Paralelas, como são exemplo os workshops que têm acontecido.

Créditos das fotografias
Topo: Ricardo Jorge Pereira
Corpo do artigo: Mafalda Fernandes e Sara Orsi

In Rua de Baixo

segunda-feira, 3 de junho de 2013

30 Seconds to Mars
“Love Lust Faith + Dreams”

Uma bonita mentira



Depois do enorme sucesso crescente dos álbuns anteriores esperava-se com alguma ansiedade o novo disco dos 30 Seconds to Mars. Se o disco homónimo lançado em 2002 trazia ao universo rock um quarteto surpresa liderado pelo ator/rocker Jared Leto, “A Beautiful Lie de 2005 e principalmente “This is War”, trabalho que viu a luz do dia em 2009, catapultaram, merecidamente, a banda de Los Angeles para a ribalta.

A par de uma música forte, melódica e muito “orelhuda”, os 30 Seconds to Mars consolidaram a sua presença apostando forte na componente visual, tanto dos seus elementos, com Leto sempre em maior destaque, mas acima de tudo com os vídeos das suas composições.

Para isso Jared Leto utilizou da melhor forma possível a sua experiência de Hollywood e dirigiu grande parte dos “telediscos” da banda que adotaram um estilo cinematográfico de exceção como o são, por exemplo, “Kings and Queens” ou “From Yesterday”.

As primeiras referências a este “Love…” surgiram no primeiro trimestre de 2012, altura em que a banda entrou em estúdio para começar a elaborar o seu quarto álbum de originais. Na produção, a banda contou com a preciosa ajuda de Steve Lillywhite, homem responsável por alguns dos sucessos de grupos como os U2 ou The Killers.

A banda estava, segundo Leto, apostada a fazer o seu melhor trabalho de sempre e para isso os quatro elementos do grupo desbastaram entre mais de 70 (!) rascunhos em forma de canção. Para procurar mais inspiração, Leto fez mesmo uma viagem à Índia.

Quase um ano da entrada em estúdio, em fevereiro último, a banda apresentava, via Twitter, o primeiro single deste novo trabalho. “Up in the Air” teve mesmo honras de ser alvo de uma ação inédita por parte da NASA que tocou o single pela primeira vez a bordo da Estação Espacial Internacional. Não se tratou de um pequeno passo para a humanidade mas, mais uma vez, os 30 Seconds to Mars provavam uma mestria invulgar no que toca à promoção do seu trabalho.

No que toca ao disco propriamente dito, e quando se esperava um universo sonoro nascido da sequência dos (bons) dois discos anteriores, eis que os 30 Seconds to Mars resolve mudar, transformar a sua música. O sentimento épico manteve-se, a áurea continua grandiosa, mas as guitarras perderam força e os sintetizadores são hoje os grandes responsáveis pelo sentimento operático de “Love…”.

Estamos perante um disco conceptual que se encontra dividido de acordo com a terminologia do seu batismo. O amor, a luxúria, a fé e o sonho são anunciados por uma (já) conhecida voz feminina. O melodrama anuncia-se ao virar de cada esquina sonora e a energia espalha-se a cada acorde mas, decididamente, Leto e comparsas abandonaram as experiências metálicas de inspiração sci-fi e post-hardcore dos primeiros dois registos.

E como tudo começa com o nascimento. “Birth”, surge por entre épicas trompas e anuncia o regresso dos 30 Seconds to Mars ao mundo dos discos. Logo neste início sente-se que o som da banda está diferente, não necessariamente melhor ou pior, apenas com outras coordenadas.

A capacidade que os irmãos Leto e Millcévic têm em fazer canções com um ADN radio friendly encontram os expoentes máximos em “Love…” logo a seguir a “Birth” e não é à toa que “Conquistador” e “Up in the Air” são os primeiros singles deste quatro trabalho de originais da banda. Ambas as canções são fortes, diretas e honestas com um forte riff e cativantes (ainda que por vezes repetitivos) coros que são uma das mais fortes imagens de marca da banda. No caso particular de “Up in the Air”, estamos perante uma composição bastante melódica com algumas mudanças rítmicas que dão dinamismo à canção.

Sem dúvida que “Love…” começa de uma forma que coloca água na boca dos fãs da banda mas, curiosamente, ou não, essa energia vai perdendo o fulgor e intensidade (não confundir com potência sonora) à medida que o disco avança.

Ainda assim não será por composições como a lenta e aconchegante “City of Angels” que se sente a falta de alguma garra neste disco. Já em outras ocasiões os 30 Seconds to Mars se refugiam em baladas “perfeitas” à imagem dos Goo Goo Dolls e o resultado é, por regra, satisfatório. O sentimento de perda momentânea da razão e a procura no conforto de estranhos dá o mote a esta canção que, por certo, será responsável por cascatas de suspiros alicerçados pelo sentimento épico da voz de especial veludo de Leto. Também “End of All Days” e “Bright Lights” se enquadram nesse sentimento e o lamento em forma de grito sintético é aqui ainda mais evidente.

Uma das faixas que mais reclama a presença das guitarras é “The Race”, mais um episódio épico que peca pela repetição de fórmulas antigas e que se baseia num crescente emocional que termina, invariavelmente, num coro que se pretende como clímax.

As dúvidas mais prementes são “Convergence”, e “Northern Lights”, temas algo perdidos dentro do contexto deste “Love…” mas que ainda assim merecem o benefício da dúvida. Mas, felizmente, existem momentos de elevado nível de inspiração como o são os casos do quase-instrumental “Pires of Varansi” que reflete a já referida passagem de Leto por terras da Índia e que a potência dos sintetizadores aqui fornece um corpo especial à composição.

Também “Do or Die” entusiasma pela honestidade e entrega que simboliza. O ritmo é altamente contagiante (olá synth-rock!) e apostamos ser impossível resistir a estes 240 segundos de pulsações e vibrações positivas. Difícil esquecer este inspirado momento que nem os já habituais e por vezes cansativos who-oh-oh’s retiram brilhantismo. Inspirada é também “Depuis le Debut”, canção que começa num registo acústico mas que rapidamente é tomada por ecos operáticos onde os sintetizadores, mais uma vez, reclama espaço e ganham facilmente essa luta. A caixinha de música que encerra esta demanda apela ao sentimento naife que os 30 Seconds to Mars não deviam perder.

Por aquilo que a banda havia feito anteriormente esperava-se mais deste disco, mais audácia, mais coerência, mais sentido. No entanto, “Love…” é um documento sonoro interessante que vai criar ondas de entusiasmo junto dos seus mais acérrimos fãs mas que não parece gerar consensos, se é que isso existe nestas coisas do rock.

É certo que as poderosas incursões por territórios mais sintéticos conferem dinamismo ao disco e que a opção de deixar de lado as guitarras levanta alguma “polémica” mas, por vezes, é necessário arriscar, explorar novos mundos e, se necessário aprender com os erros.

Aos 30 Seconds to Mars exige-se mais. Ao longo de mais de uma década a banda provou ser um dos coletivos mais excitantes do panorama rock atual e os seus concertos são a prova dessa energia e competência. Os nossos sentidos querem voltar a sentir o amor, a devorar a luxúria, a ter fé nesta música e a sonhar com outros voos que não tem necessariamente de ser espaciais. Vamos ter…esperança.

Nota também para a edição de um DVD na versão deluxe deste novo trabalho dos 30 Seconds to Mars. Neste interessante registo vídeo podemos contar com dois documentários sobre a passagem da banda pelo Médio Oriente e França e ainda o registo do concerto número 300 da história do grupo.

Alinhamento:
01.Birth
02. Conquistador
03. Up In the Air
04. City of Angels
05. The Race
06. End of All Days
07. Pires of Varanasi
08. Bright Lights
09. Do or Die
10. Convergence
11. Northern Lights
12. Depuis le Debut

Classificação do Palco: 6,5/10

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