sexta-feira, 10 de maio de 2013

ROMANCE POLICIAL NÓRDICO

Uma fórmula de sucesso vinda do frio



Stieg Larsson, Jo Nesbo, Henning Mankell, Arnauldur Indridason, Camilla Lackberg, Yrsa Sigurdardóttir, Asa Larsson, Lars Kepler, Karim Fossum, Mons Kalentoft. Estes nomes dizem-lhe alguma coisa? Não, não estamos a falar de personagens de Tolkien. Esta é uma lista possível que refere alguns dos nomes maiores do romance policial originário do norte da Europa que, de uma forma algo inesperada mas convincente, invadiram as livrarias de todo o mundo.

Suecos, dinamarqueses, finlandeses, islandeses, não importa; estes escritores colocaram a Escandinávia no mapa do que de melhor se faz em termos de literatura policial. Curiosamente – ou talvez não -, falamos de uma zona do globo que tem percentagens de incidências criminosas ínfimas comparadas com países como o Brasil ou Estados Unidos. Será a imaginação mais fértil por estas paragens?

Numa altura em que as grandes referências económicas dos países nórdicos como o são (ou eram) a Nokia, a Volvo e a Saab entraram em colapso, são os romances policiais que se assumem como um novo e determinante filão financeiro para a referida zona europeia. Para além de servir de cartão-de-visita, a literatura policial nórdica tornou-se numa imagem de marca e, autores como o malogrado Stieg Larsson ou Henning Mankell, conseguem vender milhões de livros, com destaque para as mais de 60 milhões de cópias da Trilogia “Millenum” já vendidas e a consequente adaptação cinematográfica das aventuras da magnética Lisbeth Salander.

A origem do policial

Através da sua história recente, a literatura viu surgiu novos géneros que tinham, para além da função de entreter, o desígnio de funcionar como uma “agência de viagens”, que lograva maravilhar os leitores com novos lugares e costumes. O policial não foge à regra.

Muitos defendem que terá sido Edgar Allan Poe a escrever o primeiro romance policial quando, no início da década de 1840, publicou “Crimes na Rua Morgue”. Aproveitando esse balanço, autores britânicos como Agatha Christie ou Arthur Conan Doyle transformaram personagens como Hercule Poirot ou Sherlock Holmes em habitantes usuais no imaginário de todos.

A febre do policial alastrou-se um pouco por toda a Europa e, o estilo da narrativa, ganhou milhões de adeptos que sonhavam com as aventuras de detetives e comissários de polícia que tinham, na intuição e lirismo, as suas melhores armas. A escrita destes romances era outra das vantagens deste novo “estilo” pois, ao invés de recorrer a linguagens mais elaboradas e barrocas, serviam-se de um discurso simples e direto, captando de imediato a atenção do leitor.

Já no terceiro quartel do século XX, o sucesso destes livros fez com que várias cadeias televisivas arriscassem passar para o pequeno ecrã as aventuras do Holmes, Poirot ou Maigret, entre outros, sendo que a aceitação dos espetadores era crescente. O policial passou a integrar o ADN cultural, por exemplo, dos britânicos, que reclamavam para si o mérito do género.

Mas o fenómeno era global e, um pouco por todo o mundo, surgiam novos personagens sedentos por vencer o crime. Se da Grã-Bretanha saiam académicos e pensadores como Holmes e Poirot, os norte-americanos Raymond Chandler ou Dashiell Hammett criavam homens à beira do colapso pessoal, como Philip Marlowe ou Sam Spade. Não querendo ficar atrás, o checo Josef Skvorecky fez nascer o inspetor Burovka, o italiano Camilleri deu vida a Montbalbano e Mankell imaginava Wallander, um melancólico polícia sueco que exponha as mudanças da própria sociedade.

A própria conjuntura política da Europa ajudou a fomentar o género policial. Na ressaca da Segunda Grande Guerra, vários autores regressaram ao passado recente e países como a Holanda, Itália, Alemanha, França e Inglaterra tentavam esclarecer dúvidas do conflito através de intrigas policiais internacionais, que faziam repensar a natureza da guerra enquanto jogo de xadrez à escala global.

A fuga ao banal

Paulatinamente, o romance policial foi ganhando o epíteto de género menor dentro da própria literatura. A banalidade encontrada em milhares de romances de natureza criminal era agora um incentivo para a fuga dos leitores do género. Era precisa e urgente uma nova visão.

Com uma cultura necessariamente diferente do resto da Europa, os escandinavos têm um passado que evocava uma longa tradição de sagas repletas de ação e conquista sanguinárias, assim como uma paisagem única que absorve dos contextos gélidos a esperança de um calor interior, muitas vezes conferido pelo fervor de uma escrita singular.

E terá sido essa estranheza – essa nova linguagem – que provocou, numa primeira abordagem, uma barreira à aceitação dos autores nórdicos por parte do mainstream europeu. Os contornos obscuros da narrativa de alguns autores serviu de tampão cultural e mesmo Stieg Larsson teve grande dificuldade em publicar “Os Homens que Odeiam as Mulheres”, o primeiro volume da saga Millenium. Os editores britânicos, por exemplo, chegaram mesmo a ponderar não editar mais obras de escritores como Indridason, pois as fracas vendas que os seus primeiros livros revelavam criavam entraves financeiros. Os nomes complicados dos personagens e a nomenclatura regional afastavam os leitores mais “preguiçosos”.

Cientes da importância crescente da globalização, alguns autores escandinavos perceberam que tinham de mudar as perspetivas da sua escrita. O apelo à universalidade, ainda que sem apagar vestígios próprios inerentes à sua cultura, começou a registar-se nos romances policiais naturais da Suécia, Dinamarca e países vizinhos e, alguns autores, decidiram recolocar o leitor face a geografias e conceitos desconhecidos.
A interconetividade começou a ser real e, autores como Nesbo e Indridason, colocaram nos seus livros mapas das cidades onde a narrativa tinha lugar, ou faziam a descrição de acontecimentos e tradições culturais muito localizadas – como é o caso da cozinha tradicional.

Por sua vez, Mankell foi um dos autores que conseguiu a proeza de regionalizar a ação. Assim, um crime horrendo numa pequena cidade como Ystad, na Suécia, atrai consideravelmente mais atenção que um delito na gigantesca Nova Iorque. Os pormenores, o sal de qualquer trama, ganhavam o desafio perante a banalidade da grandeza.

Os personagens também cresciam e assumiam contornos muito claros e distintivos. Ainda que resistissem personagens à imagem de Marlowe e Spade, surgiam novos desígnios. Se em “Smilla e os Mistérios de Neve”, de Peter Hoeg – para muitos o primeiro grande thriller da nova vaga dos policiais nórdicos -, ficamos a conhecer Smilla Jasperson, uma especialista em propriedades físicas do gelo, Stieg Larsson presenteou todos com Lisbeth Salander, uma jovem socialmente inadaptada, tatuada e repleta de piercings que assume a função de investigadora cyber-punk especialista em informática. Ambas mulheres, ambas “não-polícias”, ambas absolutamente fascinantes. Pelo meio, surgem advogadas a resolver crimes, padres que ajudam na descoberta de mistérios insondáveis e hipnotistas que procuram na sua arte a razão de assassinatos brutais.

A reinvenção do crime

Para além das referidas inovadoras filosofias e perspetivas dos romances, os autores nórdicos dinamizaram também o género noir. Ao contrário de autores que mantém as linhas mais tradicionais de contar a sua história e de desvendar o crime, tal como muitos dos seus antecessores fizeram ao longo de décadas, Nesbo, Larsson, Mankell e comparsas extravasam esse conceito.

Ainda que Perry Mason, Ellery Queen ou Alex Cross sejam exemplares na sua luta contra o crime, qualquer destes personagens não tem a profundidade e a riqueza de Wallander, Harry Hole ou Mikael Blomkvist. Ao contrário de algum distanciamento entre criminoso e investigador, obras como a trilogia “Millenium” ou livros como “Pássaro de Peito Vermelho” ou “O Homem de Pequim” levam o detalhe ao limite, mostram veracidade e brutalidade nos crimes que são, na sua essência, viagens ao interior de nós próprios, ao limite da racionalidade do ser humano, percursos a lugares que nos estão bem próximos.

Ainda assim, apesar de todas estas ou outras variadíssimas razões, o sucesso global desta escrita viking suscita algumas dúvidas. Será que esta fórmula tem capacidade de ser reinventar depois de esgotada? Conseguiram os autores nórdicos suplantar eventuais imitações de falsas heroínas inspiradas em Salander? Ou será esta onda motivo de transcendência para outros escritores? A palavra está do lado do leitor.
E, pegando nessa questão, deixamos aqui um desafio a quem nos lê. Digam-nos quais os autores e obras policiais de origem nórdica que mais os satisfizeram, quais as maiores desilusões, se elas existiram, e que títulos recomendariam. Digam de vossa justiça e evitem o crime do silêncio.

In Rua de Baixo

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