sexta-feira, 31 de maio de 2013

Peter Murphy @ Coliseu dos Recreios

O saudoso voo do morcego



No espaço de dois dias a simpática sala do Coliseu dos Recreios teve a honra de receber dois dos maiores nomes da era pós-punk e que lideravam a horda indie durante a saudosa década de 1980. Se na passada terça-feira Lisa Gerrard e Brandan Perry levaram à loucura os milhares de fãs que não deixaram escapar a oportunidade de ver os Dead Can Dance, ontem foi a vez de Peter Murphy oferecer um concerto especial celebrando os 35 anos dos Bauhaus, mais um espectáculo que integra a Mr. Moonlight Tour.

Ainda que o Coliseu não registasse casa cheia (poucos camarotes compostos e as galerias encerradas) os muitos presentes na sala lisboeta estavam ansiosos por ver o seu ídolo de juventude em palco. A média etária entre os presentes situava-se, naturalmente, nos “entas” e a outrora usual “farda” de tons negros deu lugar, em alguns casos, a confortáveis fatos yuppies. Ainda assim, de uma forma mais ou menos discreta vislumbravam-se t-shirts com ícones dos Bauhaus que serviram de herança entre diferentes gerações.

Antes do concerto começar, enquanto se davam os últimos retoques em palco, do PA saiam acordes nativos da década de 1980. Dos Talk Talk aos The The, passando pelo próprio príncipe da festa, ficava nos ouvidos o refrão de “Slow Emotion Replay” da banda de Matt Johnson em forma de demanda. Será que Murphy continua com o mesmo estigma dos tempos de “Mask” ou é apenas uma imagem em câmara lenta dessa época?

A resposta viria poucos minutos depois quando, com a conhecida pontualidade britânica, Murphy entrou em palco ao bater das 22 badalas acompanhado pelos restantes membros da banda, os muitos competentes e excitantes Mark Thwaite (guitarra), Jeff Schartoff (baixo e violinos) e Nick Lucero (bateria). A partir daqui todos os presentes entregaram voz, alma e corpo à cerimónia presidida por um Peter Murphy que aos 55 anos continua em excelente forma física e vocal.

Tal como vem sendo hábito nesta digressão, o primeiro tema a ser tocada foi o enigmático “King Volcano” de “Burning from the Inside”, trabalho que remonta a 1983 e que completa a tetralogia negra composta por “In The Flat Field” (1980), “Mask” (1981) e “The Sky’s Gone Out” (1983).

Para além destes quatro discos os Bauhaus apenas ousaram voltar a gravar um disco de originais em 2008 sendo que “Go Away White” apenas contribuiu com uma faixa durante a memorável noite de ontem. Falamos de “To Much 21st Century”, composição que se ouviria lá mais para a frente. O facto de Peter Murphy e os seus Bauhaus não terem nenhum trabalho nos tempos mais recentes não afastou o interesse que esta tour tem sido alvo e em praticamente todas as salas onde passou, ainda que, por norma, de dimensões mais pequenas que a sala das Portas de Santo Antão, esgotando as mesmas.

Murphy e a sua “nova” trope tem a missão de mostrar em a magia dos Bauhaus e como não querem deixar créditos por mãos alheias entregam-se de forma brilhante às suas atuações. A inspiração andou à solta e, depois de uma entrada com Murphy a bater palmas aos presentes, a banda ataca “Kindom Coming” e “Double Dare”, dois ambientes distintos onde o formato mais acústico passa para contornos mais pesados com uma competência a toda a prova.

Extremamente teatral Peter Murphy dança, salta, gesticula e deixa espaço para os “seus” músicos brilharem. “In the Flat Field” assente num poderoso riff de guitarra arranca gritos na plateia aquando do refrão e Murphy dá início a uma curiosa coreografia que tem numa luz branca apontada a si próprio como aos seus companheiros o grande foco de atenção.

No palco espartano não há lugar para grandes efeitos e é, acima de tudo, a mestria da banda que preenche a “lacuna” de outros atrativos. As luzes monocromáticas alteram o negro com o vermelho e “God in the Alcove”, “Boys” e “Silent Hedges” assentam a sua beleza nos acordes do baixo acutilante, das cordas elétricas e nas batidas pujantes da bateria. Murphy complementa o momento com a sua característica competência e arte.

Na plateia grita-se, pula-se, sente-se a vida por entre as veias, vê-se o herói de adolescência e recorda-se tempos de uma juventude repleta de estórias. Como que em forma de desafio face a essa nostalgia “To Much 21st Century” pontapeia a nostalgia e faz regressar todos ao presente. Peter Murphy, que entretanto despira o casaco negro, rodopia em palco com uma camisa suada enquanto o swing do som que emana do palco enche os ouvidos de todos. Antes, “Kick in the Eye”, levava Murphy a tocar a sua melódica por forma a dar outros contornos ao som da banda.

O ambiente acústico regressa com o muito aplaudido “A Stange Kind of Love” com Murphy a assumir as vezes de guitarrista enquanto Schartoff deixa o baixo para encantar os presentes com bonitos solos de violino. As emoções estão ao rubro, o microfone é oferecido à plateia e a ovação no final na prestação é devida. Ainda com os nervos em franja sentem-se os primeiros acordes de “Bela Lugosi’s Dead”. Entusiasmado, Peter Murphy ensaia o voo do morcego por entre acordes opressivos. Um dos registos mais excitantes da noite!

Seguiram-se momentos onde o dub traz de novo a mestria das composições dos Bauhaus. Murphy coloca-se mais no meio do palco e, recorrendo à ajuda de uns óculos pois isto da idade não perdoa, dispara sons estilhaçados enquanto guitarra, baixo e bateria são sinónimo de um peso sonoro seguro e penetrante. A muito aplaudida “She’s in Parties”, que traz de novo a presença da melódica à boca do vocalista, anuncia um novo ciclo sonoro completado pelo assombroso “Stigmata Maytir” e pela potência de “Dark Entries”. A missa negra dos Bauhaus gelava uma Lisboa que teima em não trazer o ansiado verão.

Os momentos niilistas da música dos Bauhaus implicam uma entrega extra de Murphy e é deitado no chão do palco do Coliseu que ouvimos os primeiros versos de “Severance” a habitual versão dos Dead Can DAnce que o homem de Northampton faz nos seus concertos. Enquanto se sentem sons sónicos em palco, Peter Murphy abandona o palco e deixa o espaço para os seus músicos brilharem.

O regresso ao palco para o primeiro encore trouxe uma novidade. Peter Murphy toca as notas de “Subway” no seu Roland enquanto a audiência vibra com esta “nova” faceta do cantor. Depois das muitas palmas esvanecerem Murphy decide contar uma história à capela através de “Cool Cool Breeze” para depois, num ápice, atacar a fantástica “Ziggy Stardust”, ontem tocada de uma forma completamente irrepreensível. A loucura é total, acreditem, e ninguém resiste a uma das mais fantásticas canções jamais feitas.

Finda a performance, sentencia-se mais um adeus do palco que a devoção do público consegue contrariar e ainda restavam mais dois momentos sublimes. Thwaite é o primeiro a regressar ao palco e depois de todas as tropas estarem a postos, “Spirit” enche a sala. Visivelmente agradado com o público Peter Murphy avisa que a próxima será a última e a surpresa é total quando se ouvem os primeiros acordes de “Transmission”, uma das emblemáticas faixas dos Joy Division.

Qual sessão espírita, Murphy ensaia gestos à Ian Curtis. A festa é total e todos estão, definitivamente, satisfeitos quando os músicos se despedem depois de uma vénia sentida aos presentes. Até à próxima, Mr. Moonlight.

Antes de Peter Murphy, os portugueses Uni_Form tiveram a honra de fazer o “aquecimento” das massas presentes tendo-o feito com a habitual competência, entrega e talento que os caracteriza, tal como já o tinham feito aquando da presença de Peter Hook no ano passado no CCB. Por aquilo que fazem e representam, estes lisboetas já mereciam mais atenção por parte de quem gosta de música.

In Palco Principal

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