terça-feira, 30 de abril de 2013

KURT VILE
“WAKIN ON A PRETTY DAZE”

Certezas de uma Primavera prometida



Em «Too Hard», a sétima faixa de “Wakin on a Pretty Daze”, quinto disco de originais de Kurt Vile, canta-se: “I will promise to do my very best, to do my very best for you / And that won’t be too hard”. A autenticidade e honestidade do cantor norte-americano natural de Filadélfia transformam a música desta sua nova aventura sonora numa aconchegante e expansiva colecção de canções que são, sem dúvida, parte do seu mais consistente trabalho até à data.

A confiança do antigo membro dos The War on Drugs é por demais evidente durante as 11 canções de “Wakin on a Pretty Day”. De facto, Vile acordou num dia verdadeiramente inspirado.

Depois de ganhar alguma popularidade nos finais dos anos 2000 com a sua composição no território lo-fi, Kurt Vile lançou “Constant Hitmark” em 2008, disco que se revelaria como uma amostra do que este antigo técnico de empilhadores poderia fazer enquanto músico. A genialidade de Vile foi crescendo a cada lançamento e “Smoke Ring for My Halo” (2011) encantou a crítica internacional, sendo o álbum incluído nas listas dos melhores do ano para publicações como a Mojo, Uncut ou Pitchfork.

Depois de deixar todos com água na boca, Kurt Vile criou alguma expectativa junto dos seus seguidores. A pressão, se é que isso existe para Vile, poderia exigir algo mais à música do autor de «Baby’s Arms», mas a tranquilidade com que “Wakin on a Pretty Daze” foi gerado indica o estado de maturidade atingido por este sonhador e idealista de cabelos compridos.

Ainda que mantendo a simplicidade que caracteriza o seu trabalho, assim como uma vibração calma e sem grandes alaridos, Vile explora territórios mais ambiciosos. As guitarras, calmas ou mais nervosas, continuam a marcar toda a ambiência e a bateria surge a espaços mais interventiva mas, no fundo, “Wakin on the Pretty Daze” é uma mistura de folk, noise e lo-fi.

Uma das grandes diferenças para com os outros trabalhos reside, por exemplo, na duração das próprias canções. Iniciar e terminar um disco com composições que rondam os dez minutos revela um acto de coragem assinalável e acima de tudo uma confiança enorme das suas capacidades e trabalho.

A primeira faixa do disco, «Wakin on a Pretty Day», dá o mote para a restante hora e é um bom indicativo para o que se segue. Parecendo completamente relaxado e ciente daquilo que quer fazer nascer, Kurt presenteia os nossos ouvidos com uma acústica simples alimentada por uma cadência tão natural que desarma qualquer dúvida sobre a sua intenção.

Mais “solta” e com uma guitarra que faz lembrar os momentos mais “abrasivos” de uns Red House Painters, «KV Crimes» traz um Kurt Vile com uma voz jovial e cheia de optimismo que é intercalada por cordas eléctricas hipnóticas que ousam alguns solos. O baixo também diz presente e a curta e incisiva «KV Crimes» reclama airplay.

«Walk All Talk» mantém o espírito primaveril, mas desta vez com arranjos que trazem à baila múltiplas batidas e pitadas, ainda que discretas, electrónicas. As guitarras livres de espartilhos convidam à reflexão da poesia de Kurt Vile, que se afirma não apenas como músico e intérprete mas como ser humano, como pessoa que está no auge das suas capacidades e longe de um passado, que se quer não esquecido, mas ultrapassado. Herdeiro da magia de Bruce Springsteen ou Tom Petty, Kurt dá-se a conhecer: “There was a time in my life when they thought I was all talk… now I got the upper hand”.

É nessa crueza honesta que se revela a intimidade da escrita deste disco, algo que transcende a filosofia existente nos trabalhos anteriores do cantor. Muitas destas novas composições centram-se no crescimento de Vile enquanto homem, enquanto ser que luta entre as responsabilidades inatas a um qualquer “pai de família”e os sonhos de um utópico sonhador.

Mas isto de se ser artista e andar na estrada também traz amargos de boca. Se «Pure Pain», momento que entra deliciosamente no universo de Crosby, Stills, Nash and Young’s, descreve a solidão do músico que anda constantemente na estrada e dos sacrifícios inerentes a tal dedicação, a já referida e longa «Too Hard» revela o esforço de quem quer ultrapassar problemas e dramas pessoais. Deixar de fumar e assentar podem ser promessas de “ano novo” para quem se sente apenas um ser humano.

Antes disso, «Girl Called Alex» é uma das mais belas canções deste brilhante disco. O psicadelismo está bem patente nos ritmos e na voz de Vile, por entre o órgão, a bateria e os solos de guitarra. A espiral sonora ganha corpo até ao final da canção. Já «Never Run Away» reúne sons e sentimentos mais directos, mais à pele. Kurt Vile joga de forma sublime entre a colocação instrumental e a aparição da voz, algo que gente, como por exemplo o já mencionando Neil Young, faz como poucos.

A viagem segue com «Shame Chamber», um exercício de desarmante beleza com a voz de Vile a colar-se aos muitos sons que se ouvem durante os minutos que dura a canção. As cordas das guitarras engancham na nossa mente e seduzem. A bateria ajuda, e pelo meio sentimos a vergonha de outros exorcizada por pequenos gritos. A mais pequena faixa do disco é «Snowflakes are Dancing», tema que denota descaradamente um perfil “sónico” e é um dos mais consistentes de todo o disco.

Ainda em ambiências que misturam psicadelismo e guitarras planantes, «Air Bud» é outra das magníficas canções de “Wakin On a Pretty Daze” e volta a revelar a beleza sónica que é agora um ingrediente fundamental do bolo sonoro de Kurt Vile.

E tal qual como começou, Vile encerra o álbum como um tour de force em forma de balada. «Goldtone» estende-se por cerca de dez minutos e prolonga a sua doçura pela eternidade. O acústico é quem mais ordena e todos os instrumentos têm o direito de brilhar, com destaque para o órgão sonhador e a guitarra dolente. Melhor forma de encerrar o disco não era possível.

Ao contrário dos trabalhos que antecedem “Wakin on a Pretty Daze”, Kurt Vile abandona alguma insegurança e destila confiança. De forma corajosamente franca, e na companhia dos seus Violators, Vile fez crescer a sua música e acrescentou camadas verdadeiramente interessantes de tendências sónicas e encorpadas ao já brilhante som lo-fi. Apesar de estarmos na presença de um disco longo (cerca de 70 minutos), a música cativa de tal forma que não damos pela passagem dos minutos e a empatia entre som e ouvinte cresce a cada audição. As grandes e crescentes capacidades de Kurt Vile como compositor fazem prever que o melhor ainda pode estar para vir. Nós esperamos ansiosamente por isso.

In Rua de Baixo

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