terça-feira, 30 de abril de 2013

Iron and Wine
“Ghost on Ghost”

Sol, primavera e uma ligeira brisa




A identidade dos Iron and Wine (con)funde-se com Samuel Beam, um dos expoentes máximos da vertente folk de tendências indie feita nos Estados Unidos. “Ghost on Ghost”, quinto álbum de originais dos Iron ad Wine, é o novo registo da banda e revela-se uma agradável amálgama sonora.

Natural da Carolina do Sul e atualmente a residir no Texas, Beam conta já com uma assinalável experiência nestas coisas da música e longe vão os tempos de “The Creek Drank The Crandle” editado em 2002 pela Sub Pop. O imaginário da música de Samuel Beam evocava fantasmas de Nick Drake, Simon and Garfunkel, Elliot Smith ou Neil Young e o ambiente acústico marcavam definitivamente o espetro dos Iron and Wine.

Paulatinamente, Beam começou a alargar os horizontes da sua composição e, aos poucos, a música dos Iron and Wine ganhou outras almas. A intimidade foi ganhando companheiros de viagem e “Kiss Each Other Clean” (2011), trabalho que antecede este “Ghost on Ghost”, ousava o uso de sintetizadores e alguns pozinhos “sónicos”.

Hoje, Samuel Beam é um homem mais seguro de si e este novo disco é o reflexo do crescimento deste cantautor norte-americano. A exploração da “pop” longe do puro minimalismo acústico que já se sentia nos últimos trabalhos de Beam ganha outros contornos em “Ghost on Ghost” e a música dos Iron and Wine é hoje um misto de influências Jazz ou R&B, sendo que a contribuição do veterano baterista Brian Blade se revelou fundamental neste processo de mutação sonora.

Os primeiros momentos de “Caught in the Briars”, a faixa que abre “Ghost on Ghost”, são uma introdução segura do que se pode esperar dos restantes 44 minutos do disco. Uma curta jam session é interrompida por acutilantes acordes acústicos que logo são envolvidos por uma batida suave e alguns metais. Para além da voz frágil mas intensa de Beam, sentem-se coros femininos e algumas pitadas de jazz, especialmente na parte final da canção.

A seguir, “The Desert Babbler” rompe com a novidade e agarra-se ao pop doce e mágico das composições dos Iron and Wine e o som viaja até uma passagem de ano algures na década de 1970. Violinos e trompetes movem-se com à-vontade por entre uma batida contagiante e os coros voltam a dar corpo ao todo da canção. As gargantas de Carla Cook e Jesette Newsome são uma das mais-valias deste “Ghost on Ghost”.

“Joy” é a primeira incursão calma do disco e o veludo da composição musical de Beam e seus pares são um encanto para os ouvidos. De forma dolente, “Joy” é um exercício perto da áurea romântica e assenta na honestidade de um cantor que abraça a paixão de fazer música de forma única. Aqui todos os pormenores sonoros são uma espécie de leve algodão que traz a magia da claridade à tona. Bonito, simples e sincero.

O amor continua mas com outros ritmos. “Low Light Buddy of Mine” assenta numa base de bateria e baixo que, aos poucos, permitem a presença dos metais e de um sintetizador tímido. Alguns tiques de jazz dão profundidade à canção. A voz de Beam aparece sem a timidez de outros tempos e alimenta-se do silêncio dos instrumentos.

“Grace For Saints And Ramblers” afasta a letargia e traz um ritmo mais “esgalhado” e até Johnny Rotten, pássaros e abelhas têm direito a referência numa canção que cheira descaradamente a verão. Apesar de destilar mais balanço, a intimidade continua colada os sons e Beam resume tudo a: “But is all come down to you and i”.

De volta a momentos mais introspetivos, “Grass Widows” faz-nos mergulhar na emotividade dos teclados planantes que, na companhia de um sintetizador tímido e de uma bateria omnipresente, completam um quadro sublinhado por uma voz bem aparada por um coro gracioso. Como que a reclamar espaço, o baixo surge em força em “Singers and the Endless Song”, uma narrativa musical de novo intimamente ligada ao universo mais jazzy e onde as vozes femininas têm o privilégio de uma participação mais ativa.

“Sundown (Back In the Briats)” é um dos momentos mais tranquilos e bonitos de “Ghost on Ghost”, onde Beam canta de forma quente e apaixonada. Aqui brilham os violinos, as guitarras, o sintetizador, o xilofone, as vozes à desgarrada, a bateria, todos os elementos sonoros mas sem grandes alaridos ou rasgos egocêntricos. “Winters Prayers”, uma espécie de valsa dolente, segue a mesma linha suave e, durante cerca de três minutos, a Terra move-se lentamente como se a pressa deixasse de existir e a preguiça fosse o mote para um merecido descanso.

Ao chegar à fantástica “New Mexico’s No Breeze”, a música de Samuel Beam e comparsas já deixou de ser apenas som e passou a fazer parte do ouvinte. Volta-se a sentir o sol primaveril e a nostalgia marca definitivamente o ambiente. O passado pode ser como uma brisa fresca quando se tem 19 anos e a vida toda pela frente.

“Lover’s Revolution” é, talvez, a composição mais jazzy que os Iron and Wine já fizeram e o resultado é uma agradável melodia na qual a voz de Beam assenta que nem uma luva. Depois do desvario libertino de “Lover’s Revolution”, “Baby Center Stage”, canção que encerra o disco, é o regresso ao território do folk com vozes em falsete e instrumentos em plena harmonia. Um final tranquilo.

“Ghost on Ghost” revela-se um disco bonito, intenso, suave e aberto a novas experiências e públicos. As melodias simples contrastam com os algoritmos complexos do cariz mais jazzy ou blues, as vozes complementam-se e estamos perante um dos discos mais bem conseguidos dos “Iron and Wine”.

Samuel Beam conseguiu reunir as quatro estações num só disco mas é o sol californiano que mais marca e firma a composição das 12 músicas de “Ghost on Ghost”, um registo clássico que junta uma densidade estilística e uma lírica inspirada num processo evolutivo bem conseguido e altamente recomendável, com uma espontaneidade íntima. Para ouvir muitas vezes e, de preferência, no final de um dia repleto de sol.

Alinhamento:

01.Caught in the Briars
02.The Desert Babbler
03.Joy
04.Low Light Buddy of Mine
05.Grace for Saints and Ramblers
06.Grass Widows
07.Singers and the Endless Song
08.Sundown (Back in the Briars)
09.Winter Prayers
10.New Mexico’s No Brezze
11.Lovers Revolution
12.Baby Centre Stage

Classificação do Palco: 7,5/10

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