terça-feira, 2 de abril de 2013

Black Rebel Motorcycle Club
"Specter at the Fest"

Um novo acordar



É incontornável que este é um dos discos mais sentidos e especiais dos Black Rebel Motorcicle Club (BRMC). Sente-se a dor, a perda, a tristeza, mas também a vontade de recomeçar, de seguir em frente, de fechar feridas, de cauterizar a ausência.

O sucessor de “Beat the Devil´s Tattoo” (2010) é uma montanha-russa de sentimentos erigida em nome de Michel Been, produtor dos BRMC, antigo líder dos The Call e pai do baixista Robert Levon Been, que recentemente faleceu, vítima de um problema cardíaco.

“Specter At The Fest”, sétimo registo da banda, resulta da via-sacra que os BRMC realizaram de forma a ultrapassar um dos momentos mais complicados das suas vidas pessoais e profissionais. Assim, Peter Hayes, Robert Levon e Leah Shapiro rumaram a Los Angeles e adotaram o estúdio pessoal de David Grohl como casulo para conceberem grande parte de mais um excelente disco de rock and roll.

Segundo o baixista e também vocalista da banda: “este disco demorou bastante até chegar ao que queríamos”. Apesar da demora, Robert Levon está satisfeito com o resultado final: “Penso que conseguimos chegar a um ponto de saturação durante a última digressão e era necessário mudar. Estas novas canções trazem-nos de regresso à vida e são como uma segunda chance. Há muito tempo que não sentia tanta vontade de tocar material novo ao vivo”.

Numa primeira audição a este “Specter At The Fest”, a sensação que fica é que, de facto, o trio de São Francisco está com ganas, o que não significa que estejamos perante um disco explosivo como outros registos da banda. A raiva, a vontade de atacar os instrumentos está presente, mas paira no ar uma faceta mais introspetiva, mais ensimesmada, e muita melancolia.

Ainda que o primeiro single deste disco tenha sido “Let the Day Begin”, uma versão em forma de tributo sentido dos The Call, a mais recente epifania dos BRMC tem em momentos como “Fire Walker”, “Returning” ou “Lose Yourself” o reflexo do estado de espírito da banda num momento complicado. A banda abre o livro e esperamos que os seus 12 capítulos sejam o caminho para a ressurreição de um dos mais interessantes coletivos do panorama musical vigente.

A tensão e a emoção sentem-se através das vozes, dos acordes das guitarras, dos ambientes sorumbáticos do baixo, nas batidas bipolares da bateria. Na faixa de abertura, “Fire Walker”, a voz de Robert Levon está contida em si mesma. A solenidade do momento abraça a tristeza e canta-se: “Your soul was only yours to keep / It’s buried in me now / A bullet from the shell it leaves/ It strips it to the ground’”. É necessário e urgente fazer o luto.

O rock visceral chega logo a seguir com a já referida versão dos The Call. “Let the Day Begin” contém uma das maiores mensagens deste disco. Os BRMC querem seguir em frente. Querem acordar e seguir com as suas vidas. O baixo familiar de Robert entra em colapso, a guitarra dispara e a bateria distribuí decibéis a bel-prazer. Estamos perante um clássico dos BRMC, uma canção cheia de força e vitalidade.

A sombra regressa com “Returning” e “Lullaby”, dois momentos díspares mas em que a escuridão aglutina o som. Se, no primeiro caso, temos uns BRMC em versão atmosférica, com uma muralha sónica em fundo, em “Lullaby” as guitarras transfiguram-se para um ambiente mais acústico, ainda que vão ganhando eletricidade à medida que avançamos. Em ambos os casos é a melodia que vence a raiva. A espaços, somos transportados para alguns dos momentos mais intimistas de uns The Boxer Rebellion.

Em contraposição, “Hail the Taste”, “Rival” e, essencialmente, “Teenage Disease” trazem de regresso as maravilhosas, sónicas e melódicas guitarras dos BRMC a revisitarem, a espaços, os saudosos Jesus and The Mary Chain, uma das maiores referências do trio que faz questão de prestar essa justa “homenagem” em discos como “B.R.M.C.” (2001) ou “Take them On, On Your Own” (2003).

A esquizofrenia de “Specter at The Fest” é alimentada com “Some Kind of Ghost”, um exercício sorumbático envolto de uma ambiência gospel, onde se evoca a presença do divino. “Sometimes the Light” continua numa toada serena e é o órgão que marca toda a gramática musical.

“Funny Games” faz regressar guitarras e as batidas mais fortes e estamos perante uma das faixas mais orelhudas de um disco que caminha, definitivamente, seguro de si. Guitarra e bateria travam um diálogo muito interessante e o baixo confere o dramatismo típico dos BRMC. Já “Seel It” adota uma toada minimal carregada por uma muralha elétrica que cresce em função do momento e o feedback ganha território. As vozes são fantasmagóricas e pedem a salvação. Uma das mais belas músicas do disco.

O último capitulo deste thriller sonoro é “Lose Yoursel”, uma “balada” que se prolonga por mais de sete minutos e que fecha “Specter At the Fest” de forma brilhante. O lamento é quebrado pela guitarra, o silêncio regressa a espaços, a beleza é uma constante. O disco acaba, tranquilo, e a música fica dentro de nós a ecoar.

No fundo, este disco é um pouco daquilo que os BRMC sempre fizeram ainda que revestido de uma fragilidade muito particular. A banda mudou, para melhor. “Specter At The Fest” é um dos discos mais consistentes de uma banda que se reencontrou na perda, se acertou no talento inato que tem e que procura no silêncio um escape para a dor.

Alinhamento:

01.Fire Walker
02.Let the Day Begin
03.Returning
04.Lullaby
05.Hail the Taste
06.Rival
07.Teenage Disease
08.Some Kinf of Ghost
09.Sometimes the Light
10.Funny Games
11.Sell It
12.Lose Yourself

Classificação do Palco: 8,5/10

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