terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

“AS BAILARINAS”
de Bertrand Blier

Manual de instruções para criminosos banais



É já na próxima semana que chega ao grande ecrã uma versão restaurada do filme charneira do cineasta Bertrand Blier, “As Balarinas” (“Les Valseuses”, titulo original) que conta no elenco com um jovem Gérard Depardieu, figura recentemente homenageada num ciclo especial dedicado ao mítico actor francês no Espaço Nimas, uma das salas que vai ter a honra de mostrar a obra em causa.

Datado de 1974, este filme gerou grande polémica aquando do seu lançamento mas, aos poucos, tornou-se num culto não só em França como no resto do globo.

Para além de Depardieu participam no filme Patrick Deware, Miou-Miou, Jean Moreau e Isabelle Huppert, cada qual dando alma a um personagem marginal que apenas se acha dentro de um possível contexto quando associado ao todo que é o próprio enredo disfuncional desta obra.

A ideia deste filme resulta na vontade do seu realizador fazer uma adaptação ao romance homónimo, da autoria do próprio Blier. Como resultado temos um road-movie que nos transporta para um universo onde o humor negro e o niilismo estão de braço dado.

Ao vermos este “As Bailarinas” é impossível não fazer uma comparação passado-futuro com dois filmes que retratam a violência de uma forma especial. Falamos de “A Laranja Mecânica” (1971) de Stanley Kubrik, bem como de “Manual de Instruções para Crimes Banais” (1992) de André Bonzel e Rémy Belvaux.

Sem existir uma moral vincada na película de Blier, o espírito naife dos personagens sugere que os mesmos vivem de uma forma normal tornando banal o sexo, a violência e o roubo. No fundo, e como uma das leituras possíveis, Jean-Claude (Depardieu), Pierrot (Dewaere) e Marie-Ange (Miou-Miou) são os três mosqueiros sem Dartagnan.

Numa das cenas do filme, os dois personagens principais masculinos, aproveitando o descanso de uns minutos na esplanada confessam: “Quando ninguém nos chateia, basta-nos os prazeres simples da vida”. Eis Jean-Claude e Pierrot assumindo uma das suas facetas: estetas de um hedonismo muito singular.

Convém aqui fazer uma breve ressalva acerca do próprio Depardieu que encarna neste filme um espelho do que foi em parte da sua juventude. Com problemas familiares e um de cinco filhos do casal Anne Jeanne e René Depardieu, o jovem Depardieu viveu de perto com a marginalidade tendo mesmo frequentado uma instituição juvenil de correção que serviu como farol ao desnorte momentâneo do futuro vencedor de dois Césares e um Globo de Ouro.

Crítica mordaz à sociedade burguesa, “As Bailarinas” mostra como dois marginais e inadaptados escolhem a forma mais fácil de atingir os seus objetivos. Seja um automóvel, uma casa, dinheiro, a paz de espírito ou a nobreza da inocência de donzelas, nada fará parar esta dupla. Mas é com o “recrutamento” de Marie-Ange, uma cabeleireira muito sui generis, que as peripécias aumentam e o grupo se aventura ainda mais.

A ausência de objetivos de vida destes saltimbancos é o leit-motiv desta película. O preenchimento do vazio das suas existências leva-os a atentar contra terceiros na tentativa, de certa forma, de destabilizar o quotidiano alheio e atingir um prazer fugaz mas imediato.

Por outro lado, a frigidez de Marie-Ange, resulta como uma excelente metáfora para todo o filme. No fundo, todos os personagens deste filme assentam a sua base no fracasso enquanto seres humanos.

A estreia é no próximo dia 21, no Espaço Nimas, em Lisboa, e no Teatro do Campo Alegre, no Porto.

In Rua de Baixo

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